A Ceia Da Páscoa Judaica: Compreender Ou Participar?

Por que um leitor Cristão moderno precisa entender a Páscoa Judaica? A conexão entre Jesus e a Páscoa Judaica é evidente: os relatos do Novo Testamento sobre a morte de Cristo referem-se ou aludem à preparação do cordeiro Pascal de maneira tão clara que não temos absolutamente nenhuma dúvida de que os evangelistas estavam conscientemente apresentando Cristo e sua morte como seu sacrifício de Páscoa. Hoje, no entanto, tentaremos olhar para essa conexão de uma maneira diferente: tentaremos entender o que se esperava daqueles que foram salvos por meio deste sacrifício do cordeiro pascal.

Vamos voltar para Êxodo 12. No versículo 8 lemos: «Tomarão do sangue e o porão em ambas as ombreiras e na verga da porta, nas casas em que o comerem»«Em que o comerem...». Uma vez abrigado sob o sangue do cordeiro morto, Israel foi ordenado a se alimentar desse cordeiro. Como o cordeiro deveria ser comido? «com pães ázimos e com ervas amargas o comerão…». Assim, tanto o pão ázimo como as ervas amargas tinham que fazer parte desta festa. O que isto significa?

Ervas amargas

A expressão «ervas amargas» aqui traduz a palavra «amargo» ou «amargor» (marór). Esta palavra ocorre apenas mais uma vez no Tanáj nesta forma particular, mas em um contexto completamente diferente.[1] No entanto, temos várias ocasiões nas Escrituras onde aparece a raiz már —«amargo»— . Uma delas está no livro de Rute: após seu retorno a Belém, Noemi adotou o nome Mará (amarga), como expressão de sua vida amarga e dolorosa. Vocês provavelmente sabem que o livro de Rute é a história de uma moça Gentia justa escolhendo Israel e seu Deus; vocês provavelmente também se lembram das famosas palavras de Rute: «seu povo será meu povo, e seu Deus será meu Deus».[2] Rute diz essas palavras no primeiro capítulo do livro quando decide continuar com Noemi, quando ela escolhe o povo de Noemi e o Deus de Noemi, embora naquele momento essa escolha parecesse absolutamente sem esperança e már «amarga», enquanto a segunda nora de Noemi, Orfa, voltou. Qual era a diferença entre essas duas mulheres —entre a que continuou e a que não continuou?—. Em Português, Rute 1:18 diz: «Vendo, pois, Noemi que de todo estava resolvida a ir com ela, deixou de insistir com ela». Esta «mente firme» (às vezes traduzida como «determinada») traduz uma palavra Hebraica מִתְאַמֶּ֥צֶת – «fazer um esforço». Nas Escrituras Hebraicas, bem como em algumas versões em Português, esta é a mesma palavra que ouvimos de Jesus em Lucas 13:24: «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita». Para se juntar ao povo de Deus, para trilhar o caminho de Deus, é preciso um esforço, e Rute fez esse esforço, enquanto Orfa, com todas as boas intenções que tinha, não fez o esforço. É por isso que temos o livro de Rute, e não o livro de Orfa, em nossas Bíblias.

Agora, podemos voltar àquele «amargor» que devemos comer com o cordeiro. Já escrevi muitas vezes que não há melhor comentário sobre as Escrituras do que as próprias Escrituras. Com base nesta alusão ao livro de Rute, acredito que para os Cristãos de hoje, marór significa «Israel»: da mesma forma que Rute escolheu estar com Mará e seu Deus, espera-se que os salvos pelo Cordeiro escolham estar com Israel e seu Deus. Toda criança Judia sabe o quão amargo e desagradável o sabor do marór pode ser, especialmente quando se está com fome e suportando a longa cerimônia do Séder, e mal pode esperar para comer alguma comida de verdade. É sem dúvida um esforço comer marór, quando tudo que você quer é comer o cordeiro. Da mesma forma, amargo e desagradável pode ser o gosto de escolher Israel neste mundo; é um verdadeiro esforço comer ervas amargas quando tudo o que se quer fazer é participar do «Cordeiro» mas o Cordeiro tem que ser comido com marór, é o que Deus ordenou em Êxodo 12:8.

Pães sem fermento           

Agora podemos falar do segundo componente desta refeição: os Pães Ázimos. O poderoso simbolismo dos Pães Ázimos se origina aqui, foi expressado por Deus desde o início, e é por isso que, mais tarde em Êxodo, o Senhor diz: «Não oferecerás o sangue do Meu sacrifício com pão levedado».[3] O pão levedado é um símbolo do pecado e, portanto, o sangue do sacrifício e o pão levedado não devem ser misturados. O Novo Testamento retoma e desenvolve este simbolismo: «o pão ázimo da sinceridade e da verdade».[4]

Fica ainda mais claro se vemos que em Levítico 23«onde todas as festas são descritas e ordenadas», há duas festas distintas: «No mês primeiro, aos catorze do mês, no crepúsculo da tarde é a Páscoa do Senhor, e aos quinze dias deste mês é a Festa dos Pães Ázimos do Senhor: sete dias comereis pães ázimos».[5] Vemos que a Torá se refere à Páscoa no dia 14 de Nisán, e à Festa dos Pães Ázimos no dia 15 de Nisán. A Festa dos Pães Ázimos começa na noite em que o dia 14 de Nisán se torna o dia 15 de Nisán (os dias Judaicos começam ao anoitecer, como vocês devem saber). A oferta da Páscoa foi abatida no dia 14 e comida naquela noite, dia 15, junto com o matsá no início da Festa dos Matzót. Assim, embora «desde a destruição do segundo Templo, quando a oferenda do cordeiro pascal não era mais possível, a Páscoa e a Festa dos Pães Ázimos confundiram-se na mente dos Judeus, e os termos são usados pelos Rabinos indistintamente, mas originalmente e no plano divino  eram distintos, embora na relação mais íntima possível entre si».[6]

O Novo Testamento confirma que no tempo de Jesus, essas duas festas também eram distintas. Em Marcos 14:1, lemos: «Depois de dois dias era a Páscoa e a Festa dos Pães Ázimos». E é este contexto da Páscoa que devemos ter em mente quando lemos as famosas palavras de Paulo em 1 Coríntios: «Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois de fato sem fermento. Pois também Cristo, nosso cordeiro Pascal, foi imolado».[7] A lógica deste versículo, por mais estranho que pareça desde o início, é perfeitamente compreensível no contexto da Páscoa: desde que o cordeiro pascal é sacrificado, o pão é sem fermento. Originalmente, o apóstolo provavelmente se refere a um costume muito prático e tradicional de bedikát jamétz —a cerimônia de «procurar o fermento»—. Este costume existia no tempo de Jesus e ainda hoje existe nos lares Judeus, tanto em Israel como na dispersão: na noite anterior ao dia 14 de Nisán, todos os lugares prováveis e improváveis em toda a casa são inspecionados para que não haja migalhas ocasionais. O lar Judaico deve estar completamente limpo de qualquer fermento e nesta imagem tradicional, Paulo baseia seu simbolismo. No entanto, um leitor Cristão moderno, se não souber nada sobre a Páscoa Judaica, provavelmente leria esse versículo apenas em um sentido simbólico. Tal como acontece com tantas outras imagens e símbolos originalmente Judaicos, ocorre aqui uma mudança inconsciente de um conjunto de significados para outro: uma quase ingênua apropriação dos símbolos Judaicos pela tradição Cristã gentia. Para evitar esta invasão, vocês precisam aprender mais sobre a Páscoa Judaica e sobre o contexto Judaico do Novo Testamento em geral e é exatamente disso que se trata a nossa missão aqui!

 

[1] Lamentações 3:15.

[2] Rute 1:16.

[3] Êxodo 23:18.

[4] 1 Coríntios 5:8.

[5] Levítico 23:5,6.

[6] David Baron, Types, Psalms and Prophecies, Jerusalem,  Keren Ahvah Meshihit, 2000, p. 22

[7] 1 Coríntios 5:6,7.

 

JÁG SAMÉAJ, QUERIDOS AMIGOS! FELIZ PÁSCOA JUDAICA! DESEJAMOS A VOCÊS ALEGRIA, PAZ, SAÚDE E MUITAS BÊNÇÃOS DURANTE ESTE FERIADO E AO LONGO DO ANO! Como esta é a época das dádivas aqui em Israel, gostaria de abençoá-los com um presente: a partir de hoje (14/04/2022) e por 5 dias, vocês podem baixar meu livro sobre o Messias Oculto gratuitamente. Se vocês já se perguntaram por que Jesus permaneceu um Messias oculto para o povo de Israel, por que Ele não foi reconhecido pelos seus— e o que isso tem a ver com vocês— vocês definitivamente vão gostar deste livro «As though Hiding His Face». Para reivindicar seu presente, cliquem aqui.

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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