A Saga De José (2): O Plano De Deus Começa

O que José vestiu?

Da última vez, paramos no versículo 3 de Gênesis 37: «Israel amava mais a José  que a todos os seus filhos e fez para ele roupas muito especiais». Em Hebraico, este casaco ou túnica, é chamado (כְּתֹנֶת פַּסִּים; ketonét pasím). A ideia tradicional transmitida pela maioria das traduções é que se tratava de algum tipo de vestimenta externa multicolorida: «um casaco de muitas cores».[1] No entanto, o Hebraico permite uma compreensão diferente dessas palavras. Nos comentários Judaicos, a palavra pasím tem sido traduzida como «colorida» (Radak; Septuaginta), «bordada» (Ibn Ezra; Bachya; Nachmanides), «listrada» (Ibn Janach; Radak, Shorashim) ou «ilustrada» (Targum Yonathan). Também pode se referir a uma vestimenta de mangas compridas, descendo até as «palmas» das mãos (Rashbam; Ibn Ezra; Baalei Tosafoth; Midrash Rabbah) e os pés (Lekach Tov). Pode até se referir ao material com o qual o casaco foi feito, lã fina (Rashi) ou seda fina (Ibn Janach). Assim, ketonét pasím pode ser traduzido não apenas como «um casaco de muitas cores», mas também como «uma vestimenta de mangas compridas», «um casaco que chega aos pés», «uma túnica ornamentada», «manto de seda» ou «uma capa de lã fina». Na verdade, encontramos uma tradução diferente das mesmas palavras em Hebraico e vamos falar sobre isso por um momento.

Supreendentemente, em todo o Tanáj (Bíblia Hebraica), as mesmas palavras ocorrem apenas mais uma vez, na história de Amnom e Tamar em 2 Samuel 13:8. Lá, esse manto definitivamente significa uma distinção real: «trazia ela uma túnica talar de mangas compridas (כְּתֹנֶת פַּסִּים), porque assim se vestiam as donzelas filhas do rei». A partir desse versículo, podemos entender que a túnica de José era provavelmente o tipo de manto usado pela realeza, de fato, era uma túnica muito especial. No entanto, parece também que esta túnica linda e especial estava destinada a ser um prenúncio da tragédia que se aproximava. Nas duas vezes em que encontramos esse traje nas Escrituras, as histórias são muito trágicas: José quase foi morto e depois vendido; Tamar foi estuprada e expulsa. Em ambas as histórias, o fim dessa vestimenta é muito triste: os irmãos «despojaram José de sua túnica»; depois a rasgaram, mergulharam a túnica no sangue de um bode e a trouxeram ao pai em um ato enganoso; Tamar «rasgou a túnica talar de mangas compridas que trazia, pôs as mãos sobre a cabeça e se foi andando e clamando».[2]

A propósito, vocês notaram que no último versículo as mesmas palavras são traduzidas como «túnica talar de mangas compridas?». Este é apenas um exemplo de quão importante é o entendimento das Escrituras Hebraicas. Pelas traduções, não podemos ver que as roupas de Tamar eram iguais às de José; no entanto, graças a esse versículo em Hebraico, podemos entender que a vestimenta de José era muito especial: não apenas uma linda túnica de várias cores, mas provavelmente o tipo de manto usado pela realeza.

O plano de Deus começa

Pela narrativa, sabemos que os irmãos odiavam José. Se vocês lerem a primeira parte deste capítulo, a palavra «ódio» é abundante aqui, esta é a impressão principal desses versículos: que os irmãos odiavam José. Portanto, o que Jacó estava pensando quando enviou seu filho amado a Siquém, para verificar como estavam seus irmãos? Ele não sabia que eles odiavam José? Por que ele fez isso?

Lemos no versículo 13: «perguntou Israel a José: “Não apascentam teus irmãos o rebanho em Siquém? Vem, enviar-te-ei a eles”». Prestem muita atenção ao nome «Israel» aqui. Não é Jacó é Israel quem envia José. Cada vez que Jacó é chamado de Israel, devemos saber que ele está agindo como um instrumento nas mãos de Deus. É o mesmo aqui: ele não é apenas um pai amoroso, ele é o instrumento de Deus, e o plano de Deus começa a ser revelado por meio de sua decisão extremamente estranha e irracional.

Acho que por muitos anos José realmente suspeitou que seu pai estivesse envolvido na trama. Quando, depois de todo o sofrimento e provações de José, finalmente o vemos sendo bem-sucedido e influente, somos surpreendidos por um detalhe muito interessante nesta narrativa. Quando seu primeiro filho nasceu no Egito, José o chamou de Manassés: «porque Deus me fez esquecer (נשניnashani) de todos os meus trabalhos e de toda a casa de meu pai». «Esquecer… a casa de meu pai ?». José não amava seu pai? Por que ele iria querer esquecê-lo? Há outro detalhe estranho nesta história que é realmente difícil de explicar; muitos alunos me perguntaram sobre isso ao longo dos anos: por que José não contatou Jacó durante todo esse tempo?

Precisamos lembrar que José não sabia o que nós, leitores, sabemos, ele não sabia que seus irmãos haviam enganado seu pai e que Jacó pensava que José estava morto. Ele provavelmente estava se perguntando, especialmente durante seus primeiros anos de escravidão: «Por que meu pai não procura por mim?». O Egito está tão perto de Canaã que podemos presumir que José esperava que seu pai fosse procurá-lo, mas, como sabemos, isso nunca aconteceu. Jacó não procurou por José porque pensava que José havia sido morto, mas José não sabia disso. Provavelmente, por um tempo, José estava esperando que seu pai aparecesse e o encontrasse, mas quando isso não aconteceu, ele pode ter decidido que Jacó estava envolvido na trama em primeiro lugar. Afinal, foi seu pai que o enviou aos irmãos. Claro, José sabia que seu pai o amava, mas ele também conhecia muito bem as histórias dos Pais: Abraão amava Ismael, mas Deus escolheu Isaque; Isaque amava Esaú, mas Deus escolheu Jacó. José sabia que se Deus escolhesse outro dos filhos de Jacó, e se fosse a vontade de Deus que José fosse banido de sua família, seu pai aceitaria e obedeceria a essa vontade.

Só quando os irmãos chegaram, José percebeu que Jacó não sabia nada sobre o crime. Agora ele está ansioso para resolver esse mal-entendido, talvez até para pedir perdão e é por isso que sua primeira pergunta é: «meu pai ainda está vivo?».[3]

Da próxima vez, seguiremos o plano de Deus revelado neste capítulo decisivo: Gênesis 37. Meu plano original era escrever quatro ou cinco posts sobre a saga de José mas como vocês podem ver, vou precisar de três artigos apenas para o primeiro capítulo desta saga. Esta é uma história incrível, há tantos insights deliciosos sobre o Hebraico aqui, e eu não quero perder nada. Portanto, tenham paciência comigo e, por favor, fiquem atentos.

[1] Gênesis 37:3.

[2] 2 Samuel 13:19.

[3] Gênesis 45:3.

As abordagens que vocês leem nessas páginas são típicas do que compartilhamos com nossos alunos durante os cursos DHB (Discovering the Hebrew Bible/Descobrindo a Bíblia Hebraica) ou WTP (Weekly Torah Portion/ Porção Semanal da Torá). Se esses artigos despertarem seu interesse por descobrir os tesouros escondidos da Bíblia Hebraica, ou estudar em profundidade a Parashát Shavúa, junto com os conhecimentos do Novo Testamento, ficaria feliz em fornecer mais informações (e também um desconto de professor para os novos alunos) em relação aos cursos eTeacher (juliab@eteachergroup.com). Além disso, trechos de meus livros estão incluídos neste artigo (e muitos outros posts aqui), então se vocês gostam dos artigos neste blog, vocês podem gostar também dos meus livros, vocês podem obtê-los aquí.

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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