A Saga De José (3): O Plano De Deus Se Desenvolve

Os sonhos

Ainda estamos no início de Gênesis 37, aquele capítulo trágico onde começa a história de José. Prometi mostrar-lhes como o plano de Deus se desenvolve e a primeira coisa que vocês notarão se lerem esses versículos em Hebraico é quantas vezes a palavra «ódio» ocorre aqui. Os irmãos mais velhos de José odiavam José, eles tinham tanto ciúme dele que «não podiam lhe falar pacificamente»[1] (literalmente, o texto diz que eles não podiam nem mesmo dizer shalóm para ele). E, no entanto, mesmo nessa situação, deveria haver algum gatilho que os fizesse perder o controle por completo. Este gatilho foram os sonhos de José.

Vamos dizer algumas palavras sobre os sonhos do livro de Gênesis. Os vários sonhos que ocorrem no Gênesis podem ser divididos em uma de duas categorias. A primeira classe compreende aqueles em que Deus realmente se dirige ao homem (Gênesis 20:3, por exemplo), enquanto a segunda classe consiste em sonhos na forma de parábolas ou imagens, que requerem interpretação. Com certeza falaremos mais sobre os sonhos quando chegarmos à segunda parte da saga de José; por enquanto, é suficiente dizer que temos seis sonhos nesta história (dois de José, dois dos prisioneiros e dois do faraó), e que todos esses sonhos pertencem ao segundo grupo: os sonhos que precisam de interpretação. Em um sentido literário, eles são como o esqueleto de toda esta história, mantendo tudo junto.

Lemos que os irmãos de José perderam o controle quando José começou a compartilhar seus sonhos com eles. No primeiro sonho, ele se viu como um feixe vertical, enquanto os feixes de seus irmãos estavam se curvando diante dele. Em outro sonho, que José contou a seus irmãos e a seu pai, ele viu a lua e o sol, junto com onze estrelas, curvando-se diante dele. Após cada sonho, o texto diz que seus irmãos «o odiavam ainda mais». E em algum ponto, esse ódio se tornou uma tentativa de homicídio. Como? Como José foi parar no Egito?

O pai enviou o filho

Lemos no versículo 13 que Israel disse a José«Não apascentam teus irmãos o rebanho em Siquém? Vem, enviar-te-ei a eles»As pessoas costumam se perguntar ao ler este versículo: O que Jacó estava pensando? Por que ele enviaria o rapaz de 17 anos, sozinho e visivelmente bem vestido, nesta jornada perigosa para verificar seus irmãos que o odiavam? Ele devia saber que os irmãos não gostavam muito de José, então, por que ele fez isso? Não é de admirar que José suspeitasse que seu pai, desde o início, pudesse estar envolvido na trama, a decisão de Jacó parecia não ter uma explicação racional.

Da última vez, escrevi que, por meio dessa decisão extremamente estranha e inexplicável, o plano de Deus começou a se desenvolver. Jacó é chamado de Israel aqui e, portanto, sabemos que ele está agindo como um instrumento nas mãos de Deus. Ele não está apenas agindo como um pai amoroso e preocupado, ele é o instrumento de Deus aqui: «Assim, o enviou do vale de Hebrom, e ele foi a Siquém».[2]

Um certo homem o encontrou

Lemos que quando José chegou a Siquém, «um homem encontrou a José, que andava errante pelo campo».[3] Quem era este «certo homem»? Seu anonimato sugere uma comparação com o homem sem nome que lutou com Jacó em Peniel; podemos, portanto, supor que foi um anjo ou algum ser divino, pelo menos, é o que lemos nos comentários Judaicos. O interessante, porém, é que o anjo não o mandou para longe de seus irmãos, mas o enviou para seus irmãosVocês já pensaram realmente sobre isso? Quando José chegou a Siquém e não encontrou seus irmãos, com a consciência tranquila, ele poderia ter voltado para Jacó: ele fez o que lhe foi dito para fazer, ele foi para Siquém, e não foi sua culpa que os irmãos não estivessem lá. Provavelmente, mais tarde, acompanhando a caravana de seus novos senhores, deve ter pensado muito nesse «homem» e nesse encontro «fatal»: por que esse homem estava ali? Como ele sabia onde seus irmãos estavam? Por que ele o mandou para seus irmãos? Por mais triste que pareça, porém, esta história deve ser um encorajamento para nós: quando algo errado acontece, tendemos a perguntar se perdemos a orientação de Deus; se estávamos fora da vontade de Deus? No entanto, como podemos ver nesta história, às vezes Deus nos guia direto para o problema, não para longe dele. «O homem» enviou José para Dotã e se antes disso, o rapaz estava «vagando no campo», a partir de agora a mão de Deus o conduziu firmemente ao caminho estreito (mesmo que não sentisse assim na época).

Aqui está uma descrição de Dotã de um livro antigo:

«Dotã estava lindamente situado, cerca de doze milhas de Samaria. Em direção ao norte se espalham as mais ricas pastagens; algumas colinas crescentes separavam-no da grande planície de Esdraelon. De sua posição, deve ter sido a chave para as passagens de Esdraelon e, portanto, como guardando a entrada do norte, não apenas de Efraim, mas da própria Palestina. No topo de uma dessas colinas, as extensas ruínas de Dotã ainda são apontadas, e em seu sopé ao sul ainda jorra uma bela fonte de água viva. Este é um dos dois poços dos quais Dotã derivou seu nome? Dessas colinas, Gideão depois desceu sobre o exército de Midiã. Foi aqui que José alcançou seus irmãos e foi lançado no poço seco. E foi daquela altura que os filhos de Jacó devem ter visto a caravana Árabe serpenteando lentamente do Jordão a caminho do Egito, quando venderam seu irmão, na vã esperança de amarrar a palavra e prender a mão de Deus».[4]

Os Ismaelitas

Escrevendo da Jerusalém de hoje, não pude deixar de notar um detalhe interessante nesta narrativa. José é neto de Isaque e bisneto de Abraão, o que significa que a história de José acontece apenas duas gerações depois que Hagar e Ismael foram mandados para fora do acampamento de Abraão, mas já, os Ismaelitas que passam pela companhia dos netos de Isaque parecem completos estranhos para todos deles. Quando os irmãos veem uma caravana de mercadores que passavam, eles os identificam como «Ismaelitas» da mesma forma direta e distanciada com que reconheceriam qualquer outra tribo ou nacionalidade: como estrangeiros e estranhos que nada tinham a ver com eles. Não é estranho? Apenas duas gerações depois de Isaque e Ismael, e não há indícios de laços familiares, nenhum traço de qualquer tipo de parentesco. Nada! No tempo de vida de duas gerações, as famílias de Isaque e Ismael se tornaram completamente distantes umas das outras.

Esta é uma lição muito séria e severa para nós, que vivemos no Israel moderno dilacerado pelo conflito. Como podemos esperar quaisquer sentimentos de parentesco ou família entre nós hoje se já naquela época, duas gerações depois da época em que Isaque e Ismael eram parte da mesma família, seus descendentes eram totalmente estranhos um ao outro? Obviamente, essa enorme lacuna entre os descendentes de Isaque e Ismael remonta ao momento em que Ismael foi banido da família. Se quisermos que essa lacuna seja preenchida, se quisermos que essa fratura seja curada, temos que começar desde o início e retroceder também. O Senhor é o único que pode curar essas feridas e é por esse processo de cura que oramos com fervor. Acredito que Ele deseja que estejamos juntos na família de Abraão, para que possamos estar juntos em seu plano.

[1] Génesis 37:4.

[2] Génesis 37:14.

[3] Génesis 37:15.

[4] Alfred Edresheim, Bible History: Old Testament.

As abordagens que vocês leem nessas páginas são típicas do que compartilhamos com nossos alunos durante os cursos DHB (Discovering the Hebrew Bible/Descobrindo a Bíblia Hebraica) ou WTP (Weekly Torah Portion/ Porção Semanal da Torá). Se esses artigos despertarem seu interesse por descobrir os tesouros escondidos da Bíblia Hebraica, ou estudar em profundidade a Parashát Shavúa, junto com os conhecimentos do Novo Testamento, ficaria feliz em fornecer mais informações (e também um desconto de professor para os novos alunos) em relação aos cursos eTeacher (juliab@eteachergroup.com). Além disso, trechos de meus livros estão incluídos neste artigo (e muitos outros posts aqui), então se vocês gostam dos artigos neste blog, vocês podem gostar também dos meus livros, vocês podem obtê-los aquí.

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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