De Jerusalém A Roma: A Revelação

Quando o Dia de Pentecostes chegou

«A voz saiu e foi dividida em sete vozes e de sete vozes em setenta línguas, para que todas as nações ouçam. E cada nação ouviu a voz em sua própria língua e ficou maravilhada». Parece familiar, não é? E, no entanto, não é o início do segundo capítulo do livro de Atos, é uma citação de um Midrásh Judaico.[1] Acho que essa citação deixa claro que os eventos dos dois primeiros capítulos do livro de Atos devem ser vistos no contexto deste Festival: Shavuót, a Festa das Semanas, um dos três festivais Bíblicos de peregrinação. Precisamos nos lembrar dessas palavras quando entramos em Atos 2 e lermos seus primeiros versículos: «Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; e de repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídas entre eles, línguas como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles».[2]

Poucos Cristãos sabem disso, mas na tradição Judaica, no primeiro século, Shavuót passou a ser entendido como uma comemoração da entrega da Torá a Moisés. Vocês podem perguntar por quê, visto que a Escritura não diz isso explicitamente. Aqui está a explicação: em Êxodo 19:1, lemos que os Israelitas chegaram ao sopé do Monte Sinai «no terceiro mês»; o terceiro mês após o Êxodo é Siván; visto que este também era o mês do Shavuót, os rabinos deduziram que Deus entregou a Torá no Shavuót. Assim, Shavuót tornou-se associado à entrega da Torá e gradualmente, na tradição Judaica, tornou-se a Festa da Entrega da Torá.

Agora podemos ver os paralelos bonitos e profundos entre Deus dando sua Palavra e dando seu Espírito. Há pouca dúvida de que Lucas constrói conscientemente esses paralelos e descreve os eventos de Atos 2 em termos de «um segundo Sinai»: como sua Palavra foi dada no Shavuót, seu Espírito também foi dado no Shavuót. O «barulho como uma violenta tempestade» em Atos 2 ecoa o estrondo de Êxodo 20:18, e o fogo de Atos é paralelo ao fogo de Êxodo. Em outro MidráshShmót Rabá, encontramos um comentário sobre Êxodo 20 muito semelhante ao que citamos no início deste artigo: «Uma voz foi dividida em sete e elas foram divididas em setenta línguas».[3] É muito importante lembrar que, no pensamento Rabínico, setenta é o número tradicional das nações Gentias e o número tradicional das línguas da humanidade. Portanto, no pensamento Rabínico, este céu aberto do Shavuót é percebido como alcançando as nações. E uma vez que este evento mais importante e profundo na história Judaica —a entrega da Torá no Monte Sinai— aconteceu no Shavuót, certamente não foi coincidência que o Céu foi aberto e o Espírito desceu sobre os discípulos naquele mesmo dia. Lucas descreve conscientemente os eventos de Atos 2 em termos de um «segundo Sinai» e certamente é sua intenção que seus leitores o vejam assim!

Homens da Judéia e homens de Israel

Lucas continua: «Ora, estavam habitando em Jerusalém Judeus, homens piedosos, de todas as nações debaixo do céu. Quando, pois, se fez ouvir aquela voz. Afluiu a multidão, que se possuiu de perplexidade, porquanto cada um os ouvia falar na sua própria língua. Estavam, pois, atônitos, e se admiravam, dizendo: “Vede! Não são, porventura, Galileus todos esses que aí estão falando? E como os ouvimos falar, cada um em nossa própria língua materna, Partos, Medos e Elamitas e os naturais da Mesopotâmia, Judéia, Capadócia, Ponto e Ásia; 10 da Frígia e da Panfília, do Egito e as regiões da Líbia nas imediações de Cirene, e Romanos que aqui residem, tanto Judeus como prosélitos, 11 Cretenses e Arábios; como os ouvimos falar em nossas próprias línguas as grandezas de Deus?».[4]

A lista de nacionalidades de Lucas tem sido muito discutida; muitos estudiosos da Bíblia se perguntam sobre a aparente falta de estrutura e uniformidade demonstrada por esses versículos. No entanto, podemos dizer que esta lista nos lembra a tradição do «quadro das nações» de Gênesis 10. Como Gênesis 10, refere-se aos principais grupos que cercam a terra de Israel, com Jerusalém situada no centro: os filhos de Sem ao leste; os filhos de Cão ao Sul e os filhos de Jafé ao Norte e Oeste.

Pedro e os Apóstolos certamente sabiam que os Judeus da diáspora estavam presentes em grande número ali. Portanto, Pedro se dirige às pessoas ao seu redor de duas maneiras diferentes. Ele diz: «Homens da Judéia e todos os que moram em Jerusalém». É interessante, porém, que mais tarde em seu discurso ele diga: «Homens de Israel!». Alguns estudiosos veem essa designação como testemunho do fato de que os Judeus do primeiro século ainda pensavam que Israel consistia em tribos. Como vocês devem saber, as doze tribos de Israel se originaram dos doze filhos de Jacó e são muito importantes no Tanáj  (Antigo Testamento). Algumas pessoas pensam erroneamente que as tribos de Israel não servem mais a nenhum propósito no Novo Testamento, mas os escritos de Lucas deixam claro que não: no início do Evangelho de Lucas, anunciando a gravidez de Maria e o nascimento milagroso de Jesus, Gabriel diz: «Ele reinará sobre a casa de Jacó para sempre».[5] Esta Anunciação realmente conecta Jesus com as doze tribos: nas Escrituras Hebraicas, a expressão «a casa de Jacó» sempre se refere às tribos Judaicas, os descendentes de Jacó/Israel. Da mesma forma, Pedro se dirigindo ao seu público como «Israel» poderia também se referir às tribos Judaicas, os descendentes de Jacó/Israel. Isso parece muito provável, especialmente se lembrarmos que no capítulo anterior, «Pedro se levantou no meio dos discípulos» e sugeriu que escolhessem outro apóstolo no lugar de Judas, garantindo assim que o número de apóstolos fosse doze, exatamente como o número das tribos de Israel.

Dia da revelação

Portanto, agora sabemos que a Torá foi dada por Deus ao povo Judeu no Shavuót (ou que a tradição Judaica amplamente aceita assim o diz). Assim, cada Festival no calendário Judaico está associado a um grande evento histórico e a um grande tema religioso. «Pésaj, celebrando o Êxodo do Egito, tem a criação como seu tema, a criação do povo Judeu; o tema de Shavuót é a revelação; e o tema de Sucót, associado aos quarenta anos de peregrinação culminando com a entrada na Terra Prometida, é a redenção».[6] Esses três temas principais —criação, revelação e redenção—são muito importantes e aparecem em diferentes aspectos da vida Judaica, mas são mais evidentes nos três festivais Bíblicos.

Se o tema de Shavuót é revelação, isso significaria que algumas coisas ocultas foram reveladas naquele dia. «Então, se levantou Pedro, com os onze; e erguendo a voz, advertiu-os  nestes termos: “Varões Judeus e todos os habitantes de Jerusalém”», sabemos que ele estava prestes a revelar algo que não era conhecido de seu público antes. Portanto, ele inicia seu discurso com as palavras, «atentai nas minhas palavras». Na próxima vez, vamos entender o que exatamente Pedro revelou naquele glorioso Shavuót: o Dia de Pentecoste em Jerusalém.

 

 

[1] Hillary Le Cornu, Joseph Shulam, The Jewish Roots of Acts, Netivyah Bible Instructions Ministry, 2003, p. 60

[2] Atos 2:1-3.

[3] Êxodo Rabá, 28:6.

[4] Atos 2:5-11.

[5] Lucas 1:32,33 [ênfase adicionada].

[6] David H. Stern, Jewish New Testament Commentary, Jewish New Testament Publications, 1995 – p.219.

 

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About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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