De Jerusalém A Roma: A Transição

As Lições do Capítulo de Transição

Meus queridos amigos, vocês provavelmente esperam que eu vá para Atos 15, para o concílio de Jerusalém, e é claro, estaremos lá em breve. No entanto, gostaria de dizer mais algumas palavras sobre o Capítulo 13; afinal, este é um capítulo crucial, o capítulo de transição, abrindo a segunda —«até os confins da terra»— parte do livro. Lucas é um mestre incrível de transições, e aqueles que seguem meu blog há algum tempo podem se lembrar deste título: «As Lições do Capítulo de Transição»: foi como eu intitulei nossa discussão do último capítulo do Evangelho de Lucas. O último capítulo do Evangelho de Lucas —Lucas 24— é um capítulo de transição do primeiro para o segundo volume de seus escritos e, de fato, fornece uma excelente transição do Evangelho para Atos —do Messias visível, mas oculto, ao Messias revelado, mas invisível—. Em meus artigos, tentei mostrar que Lucas queria que lêssemos os dois volumes à luz deste capítulo.[1]

Da mesma forma, o início do Capítulo 13 serve como uma transição muito significativa da primeira parte do livro de Atos para a segunda. Lembramos que a primeira parte, Capítulos 1–12, descreve os eventos que ocorrem em Jerusalém, Judéia e Samaria. A partir do Capítulo 13, o foco da narrativa de Lucas muda para Paulo e sua missão com os Gentios. Mais uma vez, Lucas embala estes versículos de transição com  mensagens muito importantes, então, por favor, tenham paciência comigo enquanto desembalamos essas mensagens cruciais, a fim de ler a segunda parte à luz dessas lições.

A imposição de mãos

A primeira mensagem deste capítulo vem do último artigo, quando percebemos que dos cinco profetas e mestres em Antioquia listados aqui por Lucas, quatro eram definitivamente Judeus crentes em Jesus, e o último pode também ter sido Judeu. Ainda mais importante é a segunda lição que também começamos a discutir da última vez. Pela descrição de Lucas, entendemos que com todas as profundas diferenças que fez a fé em Jesus, externamente a reunião e comunhão da igreja primitiva não era diferente de uma sinagoga. A atividade dos profetas, o jejum, a leitura das Escrituras, todos esses detalhes, sem dúvida, nos conectam à Torá. No entanto, há outra alusão importante à Torá na descrição de Lucas da comunidade de Antioquia que ainda não discutimos e esta é a imposição de mãos.

A imposição de mãos é chamada smijá em Hebraico, a mesma palavra usada para impor as mãos nos sacrifícios. No Tanáj, os sacerdotes praticavam a smijá, impondo as mãos sobre os sacrifícios antes de oferecê-los a Deus. Esta imposição de mãos era uma parte essencial dos sacrifícios do Templo, mas em algum momento, tornou-se uma parte essencial da separação e autorização para o dever religioso também. «A imposição de mãos como autorização para deveres religiosos pode ecoar Números 8:11-12, onde também está presente o motivo da separação para a obra do Senhor».[2]

Por volta do século 1 d.C., a smijá era um ritual reconhecido de transmissão de autoridade. A imposição de mãos é uma cerimônia muito significativa na tradição Judaica até hoje. Os pais Judeus abençoam seus filhos colocando as mãos na cabeça da criança. Quando a ideia remonta a Deuteronômio, onde lemos sobre Josué sendo cheio do Espírito porque Moisés impôs as mãos sobre ele: «Josué, filho de Num, estava cheio do espírito de sabedoria, porquanto Moisés havia posto sobre eles as  suas  mãos».[3] Acredita-se que através da smijá, «a presença de Deus pode aparecer». Por quê? Em Levítico, Moisés diz a Arão: «Esta coisa que o Senhor ordenou fareis: e a glória do Senhor vos aparecerá».[4] No entanto, a Torá não diz que «coisa» Moisés tinha em mente, então alguns comentaristas Judeus explicam: «É a imposição de mãos». Portanto, quando os crentes em Antioquia impuseram as mãos sobre Paulo e Barnabé,  pediram a Deus que manifestasse sua presença, que os enchesse com seu espírito e transmitisse autoridade de maneira que era uma cerimônia familiar e reconhecida.

Esta é outra mensagem que Lucas quer que nos lembremos enquanto lemos a segunda parte do livro: os primeiros crentes em Jesus eram parte do povo de Deus, parte de Israel e eles viviam em um contexto definido pela  devoção Judaica vigente e Escrituras Judaicas!

Torto e reto

Será preciso nosso próximo exemplo para perceber o quanto os caminhos de Deus e os caminhos de Israel pareciam quase sinônimos para os primeiros crentes. Depois que Paulo e Barnabé são enviados de Antioquia, eles viajam para a cidade de Pafos, em Chipre, onde o procônsul Romano está disposto a ouvi-los. No entanto, alguém de nome Elimas, descrito como falso profeta e feiticeiro, se opõe a eles, «fazendo o possível para afastar o governador da fé»

Então Shaúl, também conhecido como Paulo, cheio do Rúaj HaKódesh, olhou diretamente para ele e disse: «Ó filho do diabo, cheio de todo engano e de toda malícia, inimigo de toda justiça, não cessarás de perverter os retos caminhos do Senhor?».[5]

Optei por usar esta tradução aqui (Bíblia Judaica Completa), pois ela traduz o texto Grego exatamente com as mesmas palavras que precisamos para descompactar a mensagem de Lucas. Paulo poderia ter dito mil coisas diferentes para Elimas: Você nunca vai parar de fazer suas más ações? Você nunca vai parar de se opor a Deus? Você nunca vai parar de resistir à verdadeira fé?, então, por que ele usou essa frase peculiar sobre torto e reto?

Para responder a essa pergunta e ver a mensagem escondida por Lucas nesta história, gostaria de lembrar que o nome bíblico para os descendentes de Abraão, Isaque e Jacó é Israel: são filhos de Jacó, que recebeu o nome de «Israel» depois de ter lutado com o homem misterioso em Penuel. «O homem» que lutou com Jacó o abençoou e, ao abençoá-lo, mudou seu nome para Israel. Ele disse: «Já não te chamarás Jacó, e, sim, Israel: “pois como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e prevaleceste».[6]  Portanto, acredita-se amplamente que a palavra «Israel» vem da palavra Hebraica שרית , que no Hebraico bíblico significa «lutar», «exercer influência», «prevalecer».

Há, no entanto, uma maneira adicional de interpretar esse nome, e acredito que o discurso de Paulo em Atos 13 é uma clara alusão a essa maneira. Em Hebraico, o nome Israel pode ser lido como (ישר-אל; Yashár-Él). A palavra Hebraica (יָשָׁר; Yashár) significa «reto», «honesto», «honrado», «cumpridor da lei»; no uso bíblico, também significa uma «pessoa justa e temente a Deus». A raiz עָקֹב֙, por outro lado (a raiz do nome Ya’acóv) também pode significar «torto», como no versículo: «o torto (הֶֽעָקֹב֙) deve ser endireitado».[7] É exatamente isso que significa essa transição de Jacó para Israel: Deus endireitou o torto!

Agora podemos entender a escolha de palavras de Paulo. «Seu comportamento é o oposto da própria definição de Israel», é de fato, a essência do que Paulo diz a Elimas. Esta é a nossa terceira lição para o restante de Atos: fazer algo contra Deus, se opor à fé, significa… ir contra o significado da palavra «Israel».

[1] Vocês podem ler mais sobre este capítulo de transição —Lucas 24— em meu livro sobre o Messias Oculto, As Though Hiding His Face.

[2] G. K. Beale and D. A. Carson. Commentary on the New Testament Use of the Old Testament (p. 582). Baker Publishing Group. Kindle Edition.

[3] Deuteronômio 34:9.

[4] Levítico 9:6.

[5] Atos 13:8,9.

[6] Gênesis 32:28.

[7] Isaías 40:4.

Gostaria de lembrá-los, queridos amigosque oferecemos um curso maravilhoso, «Contexto Judaico do Novo Testamento». Como sempre, vocês podem entrar em contato comigo para obter mais informações. Além disso, se vocês gostam dos artigos deste blog,  também podem gostar dos meus livros,  podem obtê-los aqui.

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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