O Livro Do Apocalipse No Contexto Judaico (ap. 1: 4-7) – Dr. Eli Lizorkin-eyzenberg E Peter Shirokov

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1:4 João, às sete igrejas que estão na província da Ásia:

Quando se trata de seu gênero, embora  o livro do Apocalipse seja um apocalipse, não é um apocalipse puro (1) em que  ele seja definido no contexto de uma carta. Podemos ver isso claramente nos versos seguintes. O Livro do Apocalipse não é realmente um livro; na verdade é uma carta dirigida às igrejas da província da Ásia. Pelo seu próprio testemunho, esta carta apocalíptica também contém  profecia (Ap. 1:3, 22:7).

É comum pensar em profecia como previsões, mas na visão Israelita profecia é principalmente uma proclamação da verdade anteriormente conhecida, uma chamada para retornar e para não esquecer os assuntos importantes. Assim, o livro do Apocalipse pode ser chamado uma carta apocalíptica contendo profecia, combinando pelo menos três gêneros em um único documento (apocalíptico, epistolar e profético).

Embora não seja possível dizer com plena certeza quem era exatamente esse João que escreveu o Apocalipse, é claro que as sete igrejas históricas mencionadas na carta conheciam sua identidade. O autor deve ter tido autoridade suficiente para ser aceito uma vez que o Apocalipse de João não era o único apocalipse naquele tempo. No entanto, a autoria de João o Apóstolo é pronta e fortemente atestada. Vários líderes congregacionais do II século (tais como Melito, Bispo de Sardes (c. 165 E.C.) (2) e Irineu de Esmirna (c. 180 E.C.), (3) cujas igrejas estavam entre os destinatários originais da carta do Apocalipse (4)  mencionam explicitamente que acreditavam que a carta era de João o Apóstolo.

O caso da autoria  Joanina do Apocalipse  ironicamente  é mais forte do que a do Evangelho de João. O argumento mais importante em favor de outro autor (o que significa que os autores do quarto evangelho e Apocalipse não são a mesma pessoa) é que o Grego do Apocalipse  tem qualidade  significativamente inferior em relação ao Grego do Evangelho de João. Isso, no entanto, poderia ser facilmente resolvido supondo que João usou um escriba para a composição do Evangelho (como fez Paulo (5) entre muitos outros na antiguidade Romana), mas que ele não dispunha de nenhum escriba quando  ele compôs o livro do Apocalipse, uma vez que este foi escrito quando ele estava em prisão domiciliar na Ilha de Patmos. Em outras palavras, ele usou suas próprias habilidades limitadas na língua Grega.

Todas as sete igrejas mencionadas na carta estão localizadas dentro do sistema de vias Romanas Antigas. Portanto, era realmente possível para a carta fazer um círculo completo por todos os locais depois que ela foi originalmente entregue e lida nas congregações individuais.

Nem todas as congregações conhecidas na Ásia foram abordadas (por exemplo, a congregação em Colossos). A carta está ligada à importância do número sete, apontando para a natureza simbólica das igrejas. É provável que as sete congregações históricas reais simbolizem todas as igrejas existentes na época de João e até fora desse cenário histórico.

Graça e paz a vocês “daquele que é” e que era e que há de vir,…

A passagem é uma alusão a Ex. 3:14 de acordo com a versão Septuaginta de língua Grega  onde Deus refere-se a si mesmo como “aquele que é” (ὁ ὤν). O Grego é traduzido da autodescrição divina em Hebraico אֶֽהְיֶ֖ה אֲשֶׁ֣ר אֶֽהְיֶ֑ה (eu sou quem eu sou). João utiliza a mesma formulação em Grego só neste lugar (6). Acredita-se que o nome impronunciável de Deus YHWH  esteja  ligado ao verbo “ser” em Hebraico. É um composto de passado, presente e futuro todos os aspectos presentes em uma palavra, “quem é e aquele que era, e que vai ser.” A dica é deliberada.

Esta passagem é um dos muitos lugares onde se pode dizer que o Grego usado por João é pobre. Note o comentário acima sobre a autoria do Apocalipse e a possível ausência de assistência de um escriba em Patmos. Uma vez que nem todas as partes do Apocalipse poderiam ser caracterizadas deste modo, não é possível explicar as irregularidades gramaticais Gregas somente pela base Hebraica da língua de pensamento original de João. Qualquer que seja a explicação que possa estar por trás das estranhas irregularidades gramaticais, ela provavelmente é de natureza intencional. Para o leitor familiarizado com nuances de ambas as gramáticas Hebraica e Grega, elas de novo agem como pistas de que alguma coisa está acontecendo.

… e dos sete espíritos que estão diante do seu trono,

O número sete em uma ampla variedade de tradições das Escrituras Judaicas é o número da plenitude, totalidade e integralidade. Como já foi mencionado, o Apocalipse está cheio de conjuntos do número sete, mas como no caso das igrejas, este fato chama a atenção não para o número em si, mas em vez disso para a totalidade do que  é discutido – neste caso o Espírito (sete espíritos) que está/estão diante do trono de Deus. Existem pelo menos duas opções interpretativas aqui. Uma tem a ver com o Espírito Santo e a outra tem a ver com seres angélicos chaves.

A primeira interpretação convencional conecta os sete espíritos do Apocalipse com os sete “aspectos” do Espírito em Isaías 11:2: “O Espírito do Senhor descansará sobre ele, o espírito de sabedoria e entendimento, o espírito de conselho e força, o espírito de conhecimento e de temor do Senhor” (NASB). Na realidade, há seis aspectos, não sete, porque o Espírito do Senhor não é um dos aspectos. Uma tradução melhor (NetBible), no entanto, é fornecida por tradutores da Net Bíblia, justamente mostrando que cada par é realmente um conceito, reduzindo 6 a 3: “o espírito do Senhor descansará sobre ele – um espírito que dá sabedoria extraordinária, um espírito que fornece a capacidade de executar planos, um espírito que produz lealdade absoluta ao Senhor.” Não importa qual tradução usamos para Isaías 11:2, a conexão entre esses versos e os sete espíritos no Apocalipse não parece provável para nós.

Em segundo lugar, nos livros Judaicos não-canônicos como 1 Enoque que tem muitas referências às tradições do Filho do Homem Judaico, encontramos repetidamente uma frase desconhecida “o Senhor dos Espíritos”.

Por exemplo, lemos em I Enoque 46:1-2:

“Lá, eu vi o Ancião de Dias, cuja cabeça era como a lã branca e com ele outro, cujo semblante se assemelhava ao do homem…. Então eu perguntei a um dos anjos, que foi comigo, e  me mostrou todas as coisas secretas, sobre esse Filho do Homem; quem ele era; onde ele estava e por que ele acompanhava o Ancião de Dias. Ele respondeu e disse para mim, que Este é o Filho do Homem, a quem pertence a justiça; com quem habita a justiça; e que irá revelar todos os tesouros  escondidos: pois o Senhor dos Espíritos o escolheu; e sua porção ultrapassou tudo diante do Senhor dos Espíritos em eterna retidão.”

Temos aqui uma passagem maravilhosa estabelecendo tradições Judaicas (contemporâneas ao livro do Apocalipse) sobre a figura do Filho do Homem de  Daniel.  (7) Devemos notar que esta frase  Enoqueana  comum – “o Senhor dos Espíritos” pode ser conectada com  “… os sete espíritos que estão diante do seu trono” em Apocalipse. (Ap. 1:4b).

Embora o paralelo entre o “Senhor dos Espíritos” e ” os sete espíritos que estão diante do seu trono (Deus)” seja intrigante, podemos estar lidando aqui com um antigo equivalente Judaico do que foi pre-sistematizado mais tarde como Trindade Cristã (em ordem diferente) – Pai, Espírito Santo e Filho.

Outra possibilidade interpretativa, no entanto, se apresenta para nós quando comparamos o livro do Apocalipse com 1 Enoque. Os sete espíritos diante do trono de Deus podem ser vistos como sete figuras angelicais chave (são imaginadas em algumas tradições apocalípticas Judaicas) para servir diante do trono de Deus.

Os anjos estão depois de todos os espíritos que servem a Deus e estes sete espíritos angélicos, de acordo com esta tradição apocalíptica Judaica, servem diante de Deus. É significativo que o sete aparece não só em Enoque, mas também em outros livros Judaicos tanto Bíblicos como para-bíblicos.

Embora os crentes possam ser tentados a passar desta ligação, temos que manter as coisas em perspectiva. Sendo ou não os nomes dos sete principais anjos Gabriel, Miguel, Rafael, Uriel, Raquel, Remiel e Saraquel como se afirma no livro de Enoque, talvez nunca saibamos, mas é pelo menos possível que outros Judeus contemporâneos (incluindo o Judeu que escreveu o livro do Apocalipse) tivessem em mente um conceito similar ao do autor do livro de Enoque (1 Enoque 20:1-8).

Então, além do Espírito Santo, outra explicação potencial para os sete espíritos poderia ser na verdade as sete figuras angelicais.

Neste caso, Deus, os sete anjos principais, e como logo veremos, Jesus Cristo, são os autores finais em nome de quem João está escrevendo/ distribuindo esta carta para ser enviada para as congregações Cristãs da Ásia Menor.

1:5 e de Jesus Cristo, a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama e nos libertou 7 de nossos pecados à custa de seu próprio sangue. 1:6 e nos designou como um reino, como os sacerdotes servindo a seu Deus e Pai — a ele seja o poder e a glória para todo sempre! Amém.

Os  cinco nomes  de Jesus Cristo são claros – 1) fiel testemunha, 2) nascido em primeiro (8) lugar dentre os mortos, 3) governante dos reis terrestres (1:5a), 4) aquele que nos ama e 5) o que nos livra (1:5b).

Uma descrição tão completa de nomes (especialmente em comparação com outros autores ou quem encomendou a carta) merece um pequeno hino de louvor a Deus – “a ele seja a glória e o poder para todo o sempre !” (1:6b). Isso é especialmente assim porque Jesus Cristo “nos” nomeou (presumivelmente João, sua comunidade e os crentes a quem ele dirigiu a sua carta) para sermos Sacerdotes do Reino, servindo ao Deus de Jesus (“seu Deus”) e Pai (1:6a).

A idéia apresentada no Apocalipse 1:6-7 é que a grandeza multifacetada de Jesus Cristo, eventualmente resulta na glória e no poder de seu Deus e Pai. Curiosamente, isto também pode ter um paralelo conceitual em 1 Enoque 48. Em 1 Enoque 48:2-6 lemos:

E naquela hora que o Filho do Homem foi nomeado na presença do Senhor dos Espíritos, e o seu nome diante do Primeiro dos Dias…
Ele será uma base para os justos, na qual ficam apoiados e não caem,
E ele será a luz dos Gentios,
E a esperança daqueles que estão com o coração angustiado.
Todos os que habitam na terra devem se prostrar e adorar diante dele,
E louvarão e abençoarão e celebrarão com a música do Senhor dos Espíritos.
E por esta razão tem ele sido escolhido e escondido diante Dele,
Antes da criação do mundo e para todo o sempre.

O que vemos no texto de I Enoque é que o louvor e a adoração que o Filho do Homem recebe de todos os que habitam na terra resultam, em última análise, em louvor e adoração ao Senhor dos Espíritos (o próprio Deus).

Este é realmente um conceito muito semelhante ao descrito em Apocalipse 1:5-6 “…Jesus Cristo – a fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o soberano dos reis da terra. Àquele que nos ama e nos libertou de nossos pecados à custa de seu próprio sangue e nos designou como reis e sacerdotes para servir a seu Deus e Pai – a ele seja a glória e o poder para todo o sempre! Amém.” (9)

1:7 Vejam! Ele está retornando com as nuvens e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram, e todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Isso certamente vai acontecer! Amém.

O que é muito importante ter em mente enquanto lemos lentamente o Livro/Carta do Apocalipse é que ouvimos várias vozes nesta carta (Deus, João, Espírito, Jesus Cristo, Noiva, etc). Como em qualquer composição complexa, esta rica polifonia do som celestial exigirá cuidadosa e atenta escuta a fim de distinguir claramente entre as várias vozes, apreciando sua mensagem tanto no coro como na voz do intérprete individual.

Não está claro qual voz estamos ouvindo em Apocalipse 1:7, mas aquele a quem pertence esta voz gostaria que estivéssemos cientes de que o Cristo crucificado retornará em poder (com nuvens) e ninguém (incluindo seus assassinos) será capaz de negar sua ressurreição (todo olho o verá, até mesmo aqueles que o transpassaram).

Isto produzirá o cumprimento das visões de Daniel 7:14: ” Foi-lhe dado domínio e glória, e o reino, para que os povos, nações e homens de todas as linguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruido.” assim como de Zacarias 12:10: “derramarei sobre o reino /casa de Davi e a população de Jerusalém um espírito de graça e súplica de modo que eles olharão para mim, aquele que transpassaram. Eles lamentarão por ele como alguém lamenta por um filho único, e haverá um choro amargo por ele como o grito amargo por um primogênito”.

[divider]

(1) O Apocalipse é sempre revelador; ele informa como se revelam experiências sobrenaturais e  a realidade cósmica visualizada. Há uma história, uma narrativa que pode ser seguida. Essas descrições de grandes imagens dos eventos do domínio celestial agem como pano de fundo para os acontecimentos vividos pelo público do escritor apocalíptico. Este é um pensamento paralelo e analógico, típico do Oriente Médio. Os eventos terrestres são apresentados na luz do celestial, revelando a realidade maior. (2) c. 165 E.C; Eusébio, H.E. 4.26.2.(3) c. 180 E.C.; Adv.Haer. 3.11.1, 4.20.11, 4.35.2). (4) Ap.1:11; 3:1-6; 2:8-11. (5) Romanos 16:22: Eu, Tercio, que escrevi esta carta, saúdo-vos no Senhor. (6) Notas para Apocalipse na NetBible (NetBible.org). Disponivel em www.NetBible.org. (Último acesso 13.06.14). (7) Muitas Bíblias usam “lavado” (λούσαντι, lousanti)  em vez de “libertado” (λύσαντι, lusanti),  mas,  manuscritos mais confiáveis tem colocado liberto. Há uma diferença de uma letra entre as duas, mas “colocado livre”  provavelmente  seja o variante original. (8) O primeiro ressuscitado é um título unicamente Judaico, ligado aos conceitos dos primeiros grãos da colheita de cevada oferecidos no terceiro dia da Páscoa. O motivo da ressurreição está implícito nesta festa e este nome é usado por Paulo em I Cor. 15:20 e Col. 1:18.

 

(9) João, às sete igrejas que estão na Ásia: graça e paz dele que é e que era e que há de vir e dos sete Espíritos que estão diante do Seu trono. Apocalipse 1:4
E ao anjo da igreja em Sardes escreve, “estas coisas diz aquele que tem os sete Espíritos de Deus e as sete estrelas: ‘Sei de tuas obras, que tens nome de que vives, mas estás morto.'” Apocalipse 3:1
E do trono vieram relâmpagos, trovões e vozes. E havia sete lâmpadas de fogo queimando diante do trono, que são os sete Espíritos de Deus. Apocalipse 4:5
E olhei e eis que, entre o trono e os quatro seres viventes e no meio dos anciãos, um Cordeiro em pé, que tinha sido morto, tendo sete chifres e sete olhos, que são os sete Espíritos de Deus enviados por toda a terra. Apocalipse 5:6
E vi os sete anjos que estão diante de Deus e lhes foram dadas sete trombetas. Apocalipse 8:2

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  1. coraci

    Graça e paz Dr. Eli, seu comentário é por demais excelente sua abordagem do passado trazendo para o presente é , indo para o futura. Sinto me realizado e satisfeito, sei que as que usas, é fiel. Que haja paz em ti, que haja paz dentro de teus muros oh Jerusalém. Shalom.

  2. José Hélder Saraiva Bacurau

    Shalom! Dr Eli,seus estudos são bençãos, que o ETERNO continue a te abençoar.
    Creio que a carta que chamamos livro do apocalipse,tem como finalidade nos ensinar que O SENHOR é o regente de toda a história,acredito que a chave para entendermos esse livro é a ETERNIDADE,só DEUS ,O ETERNO,pode revelar os eventos do passado,do presente e do futuro,creio que essa é a finalidade do livro.Ao analisarmos a mensagem do livro,pelo tempo do autor,acredito que entenderemos melhor.É muito bom saber que independente do que vier a acontecer nesse mundo,DEUS ,O ETERNO,está no trono e domina sobre tudo.
    Paz sobre ISRAEL!

  3. Emilia

    Shalom!
    Obrigado pelo estudo,muito bom.
    Que ADONAI te abencoi grandemente.
    Emilia.