Shalóm e Jág Saméaj, queridos amigos! Estou publicando este post apenas algumas horas antes da Páscoa —a Páscoa mais incomum em nossas vidas—. Não apenas devido ao isolamento do Coronavírus, este ano não podemos realizar o Séder da Páscoa extensivo a famílias e amigos, como também não podemos deixar nossas casas até quinta-feira, sete horas da manhã. Isso não lembra as palavras de Êxodo: «Nenhum de vós saia da porta da sua casa até pela manhã?».[1] Vamos contemplar juntos os eventos daquela noite.
Quando eu vir o sangue, eu passarei sobre vós
Anos atrás, escrevi um roteiro para uma peça de Páscoa. A peça descreve os eventos que ocorrem no Egito antes do Êxodo. O personagem principal é um garoto Hebreu chamado Avi (abreviação de Avraham) que tem um cordeiro de estimação, que é seu companheiro constante e parceiro de brincadeira favorito. Quando o Senhor, por meio de Moisés, dá a ordem de separar um cordeiro para o sacrifício, a família de Avi escolhe esse cordeiro, possivelmente porque ele era o melhor, ou talvez porque ele era o único que havia. Na noite anterior ao Êxodo, os pais de Avi vão pegar o cordeiro para matá-lo, e o menino em prantos os persegue, o tempo todo perguntando: «Mas por quê? Por que ele? Ele é tão bom, tão branco, tão limpo e puro!». Seus pais respondem: «É por isso que o escolhemos; porque ele é impecável, é ele que deve ser usado para o sacrifício».
Naquela noite, quando prontos para deixar o Egito, todos os membros da família, incluindo o menino choroso, estão sentados à mesa, compartilhando o primeiro Séder da Páscoa da história de Israel, de repente há um silêncio completo. Então, primeiro de uma, depois de outra casa, eles ouvem gritos e gemidos horrorizados. O menino, completamente assustado, é abraçado pelos pais e, quando olha para o rosto deles, inquisitivamente esperando uma explicação, sua mãe explica: «Você entende agora por que seu cordeiro teve que morrer? Nesta noite, o anjo da morte está atingindo todos os primogênitos do Egito. Você é o nosso primogênito, e se não fosse pelo sangue do cordeiro em nossa porta, você também teria morrido. Pela morte dele, ele lhe deu vida». Com lágrimas nos olhos, o abalado Avi dá graças a Deus por salvar sua vida pelo sangue de seu cordeiro. «Porque o Senhor passará para ferir os Egípcios; quando vir, porém, o sangue na verga da porta e em ambas as ombreiras, passará o Senhor aquela porta, e não permitirá ao destruidor (mash-jít) que entre em vossas casas, para vos ferir».[2]
Destruição ou corrupção?
Agora, observem a palavra destacada. Em Hebraico, o destruidor da história do Pésaj é mashjít; durante anos, eu tinha estado convencida de que essa raiz tinha a ver apenas com morte, matando e destruindo —como «o destruidor» em Português—. Quão grande foi minha surpresa, porém, quando encontrei essa palavra no começo da Porção da Torá sobre Noé (antes do castigo —antes do dilúvio—): «Então Deus olhou para a terra e, de fato, ela estava corrompida (nish-jetá); porque toda a carne havia corrompido (hish-jít) o seu caminho na terra». Por que, de repente, nesta história que aconteceu muito tempo antes do Pésaj, encontramos uma palavra que soa esse som assustador do Pésaj, uma palavra que soa como se tivesse acabado de ser retirada da história da Pésaj? |
Essa foi uma das minhas primeiras descobertas quando comecei a ler as Escrituras em Hebraico. Embora eu soubesse muito bem que quase todos os verbos em Hebraico podiam ter formas diferentes (binyaním, «conjugações») e, portanto, significados diferentes —eu ainda estava absolutamente impressionada ao descobrir que o verbo— (הִשְׁחִית; hishjít), dependendo da sua forma, pode ter qualquer um destes significados: ser corrompido e destruir.
Vocês veem o que está acontecendo aqui? A linguagem da Torá é diferente de qualquer outra linguagem humana: cada palavra aqui está cheia de todos os significados futuros —de algo que ainda está por vir, que não é visto pelo homem, mas definitivamente é visto por Deus—. Neste ponto da história de Noé, o castigo e a destruição —o dilúvio— ainda não tinha chegado; ele ainda nem está prometido, a Torá está apenas nos falando sobre o pecado e a corrupção, e não sobre o castigo. No entanto, já aqui, no início desta história —essa palavra assustadora—, הִשְׁחִית , soa como um aviso severo e sério sobre o julgamento iminente —como um aviso severo e sério de que punição e destruição são consequências inevitáveis do pecado e da corrupção (um aviso que é completamente perdido nas traduções)—.
As duas festas
Agora podemos entender melhor o poderoso simbolismo do pão sem fermento na Bíblia. Não se originou no Novo Testamento —já lemos em Êxodo—: «Não oferecerás o sangue do Meu sacrifício com pão levedado».[3] O sangue do sacrifício e o pão levedado não devem ser misturados, portanto, temos essa distinção clara em Levítico 23:5-6: «5 No mês primeiro, aos catorze do mês, no crepúsculo da tarde, é a Páscoa do Senhor. 6 E aos quinze dias deste mês é a festa dos pães ázimos do Senhor; sete dias comereis pães ázimos».
Assim, apesar de que «desde a destruição do segundo Templo, quando a oferta do cordeiro pascal não era mais possível, a Páscoa e a festa dos pães ázimos se confundiram na mente dos Judeus, e os termos são usados pelos rabinos de maneira intercambiável, mas originalmente e no plano divino eles eram distintos, embora na mais íntima relação possível um com o outro».[4] Vemos que a Torá refere-se a Páscoa no dia 14 de Nisán, e o «festival dos pães ázimos» no dia 15 de Nisán. A festa dos pães ázimos começa na noite, quando o dia 14 de Nisán torna-se dia 15 de Nisán (dias Judaicos começam ao anoitecer, como vocês devem saber). A oferta da Páscoa foi abatida no dia 14 e comida naquela noite —15— junto com matzá, no início do festival de matzá. O Novo Testamento confirma que nos tempos de Jesus, essas duas festas também eram distintas. Em Marcos 14:1, lemos:
«Dali a dois dias era a Páscoa e a festa dos pães ázimos».
É este cenário da Páscoa que devemos ter em mente quando lemos as famosas palavras de Paulo em 1 Coríntios: «Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois de fato sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado».[5] A lógica deste versículo, por mais estranha que pareça desde o início, é perfeitamente compreensível no contexto da Páscoa: uma vez que o cordeiro da Páscoa é sacrificado, o pão é sem fermento. Um leitor Cristão moderno, se não souber nada sobre a Páscoa Judaica, provavelmente lerá esse versículo apenas em sentido simbólico. Contudo, originalmente, o apóstolo provavelmente se refere a um costume tradicional muito prático do bedikát jamétz —a cerimônia da «busca de fermento» —, que existia na época de Jesus e ainda hoje existe nos lares Judeus, tanto em Israel quanto na dispersão: na noite anterior ao dia 14 de Nisán, todos os lugares prováveis e improváveis toda a casa são inspecionados para que eles não tenham nenhuma eventual migalha. O lar Judeu deve estar completamente limpo de qualquer fermento —e esta é a imagem tradicional na qual Paulo baseia seu simbolismo—.
JÁG SAMÉAJ, CAROS AMIGOS! FELIZ PÁSCOA! DESEJO A VOCÊS ALEGRIA E PAZ E SAÚDE E MUITAS BÊNÇÃOS NESTA PÁSCOA E AO LONGO DO ANO!
[1] Êxodo 12:22.
[2] Êxodo 12:23.
[3] Êxodo 23:18.
[4] David Baron, Types, Psalms and Prophecies, Jerusalem, Keren Ahvah Meshihit, 2000, p. 22
[5] 1 Coríntios 5:6,7.
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