A questão
No último post, falamos sobre a frase: שְׁנֵי גֹיִים בְּבִטְנֵךְ —Duas nações estão em seu ventre— da profecia que o Senhor deu à Rebeca quando ela ainda estava grávida.Eu mencionei que esta frase tem sido usada várias vezes em nossa história para definir a relação do povo de Israel com as nações ao seu redor. Israel Yuval, um Professor da Universidade Hebraica (e meu antigo professor, a propósito) escreveu um livro intitulado: “Duas nações estão em seu ventre”, sobre as percepções dos Judeus e Cristãos na Antiguidade Tardia e Idade Média —e recomendo imensamente este livro muito interessante—.
Já sabemos que, mesmo entre os patriarcas, a família de Isaque e Rebeca parece se destacar: Isaque foi o único patriarca monogâmico, fomos informados que ele amava sua esposa e orou por ela; além disso, este é o único caso de todas as três esposas estéreis onde a Escritura nos informa que Rebeca concebeu porque o Senhor respondeu a oração de Isaque, então eles pareciam ser um casal muito terno e amoroso, especialmente durante a primeira parte do seu casamento.
No entanto, todos conhecemos a história sobre o conflito de Jacó com seu irmão Esaú —e também sabemos que toda a história da vida de Jacó foi muito afetada, talvez até definida e determinada por esse conflito—. Além disso, mesmo que o exemplo dos dois irmãos percorra todo o livro de Gênesis, Jacó e Esaú —ao contrário de Isaque e Ismael, por exemplo, ou José e seus irmãos— tinham os mesmos pais (e pais amorosos, como já vimos). Então, como aconteceu esta terrível divisão entre os irmãos?
A Torá não fornece qualquer julgamento ou explicação sobre este conflito. Ela não justifica, não desculpa, não fornece nenhum comentário; apenas afirma os fatos: Isaque amava Esaú… mas Rebeca amava a Jacó [1] e resta-nos perguntar se esse favoritismo dos pais era a fonte original do conflito ou se os irmãos não vinham se dando bem mesmo antes de se tornar óbvio . É claro, no entanto, que o favoritismo dos pais desempenhou um papel muito importante no conflito dos irmãos —de outra forma a Escritura não nos informaria sobre isso—. Então vamos tentar responder a pergunta: por que esse favoritismo aconteceu e como começou? Por que Isaque ama Esaú? Por que Rebeca ama Jacó?
As origens diferentes
Já mencionei um maravilhoso livro de Israel Yuval. Entre outras coisas, suas respostas a essas questões e suas análises sobre as personalidades de Isaque e Rebeca são muito diferentes e para mim, pessoalmente, tornaram-se realmente reveladoras. Eu usarei algumas de suas análises aqui neste artigo.
Para entender a história dos gêmeos, falemos por um momento sobre a origem dos pais —de Isaque e Rebeca—. Antes de tudo, Isaque é “sabra”, como se diria hoje: ele nasceu na Terra, e ele é o único dos patriarcas que nunca esteve fora da Terra (nunca foi bahul, como se diria em Hebraico hoje). Ele passeia pouco, e seguindo o mandamento de Deus não deixa a terra mesmo em tempo de fome.[2] Ele pertence a esta Terra e nisso, ele difere muito de sua mãe e seu pai: como sabemos, ambos vieram para a Terra em obediência ao chamado de Deus, o que significa que ambos eram imigrantes.
Isaque não somente nasceu na Terra e está completamente ligado à Terra, ele também trabalha na terra! Ele tenta algo que seu pai não tentou, e se torna o primeiro agricultor em sua família: ele semeia e colhe e é extremamente abençoado nisso. “Então Isaque semeou naquela terra e colheu no mesmo ano a cem por um; e o SENHOR o abençoou”. [3] Isaque sempre foi “o homem da Terra” —mas, depois disso—, ele realmente se torna “o homem do campo“.
Rebeca, por outro lado, é uma imigrante nesta Terra, proveniente de uma cultura e origem completamente diferentes. Além disso, o mesmo versículo que nos informa sobre o amor de Isaque por Rebeca, também diz que “Isaque trouxe-a para a tenda de sua mãe Sara”.[4] A partir daquele momento, o lugar de Rebeca foi na tenda de sua falecida sogra.
Como Israel Yuval escreve, essa tensão entre Isaque, o homem do campo, e Rebeca, oculta na tenda, é uma metáfora para o dualismo entre dois personagens e dois símbolos. “O campo é um cenário de quem vive e age na natureza, ao ar livre, enquanto a tenda é um símbolo de tranquilidade e isolamento. Assim, a diferença entre os pais define a cena para a diferença entre as crianças, os gêmeos que lutam um com o outro”.[5]
Para prosseguir, precisaremos aqui de algum Hebraico. Enquanto a maioria das traduções Inglesas chamam Esaú “um homem do ar livre“, o texto Hebraico o chama de “um homem do campo“: “Esaú era um caçador habilidoso, um homem do campo”.[6] É por isso que Isaque amava Esaú: embora eles provavelmente não tivessem personalidades muito parecidas, ambos eram “homens do campo“: ambos amavam estar na natureza e é muito provável que eles passassem muito tempo juntos ao ar livre. “Oh , o cheiro de meu filho é como o cheiro de um campo que o SENHOR abençoou”.[7]
Por outro lado, a mãe, que ficava sentada na tenda, provavelmente passava muito tempo com Jacó, que era “um homem tranquilo, morando em tendas”.[8] Assim, Isaque teve esse vínculo especial com Esaú, enquanto Rebeca estava muito mais ligada com Jacó. “Isaque amava Esaú… mas Rebeca amava Jacó”. [9] As Escrituras se referem a Esaú como o “filho mais velho” de Isaque,[10] enquanto Jacó simplesmente é chamado de “filho” de Rebeca.[11]
Da próxima vez, vamos discutir a famosa história da trama de Rebeca e “a bênção roubada” e, assim, concluiremos esta série. Eu realmente espero que esses artigos tenham ajudado vocês a entenderem melhor esta notável mulher de fé.
Continua…
[1] Gênesis 25:28
[2] Gênesis 26:2
[3] Gênesis 26:12
[4] Gênesis 24:67
[5] Israel Yuval, Two nations in your womb, p. 32
[6] Gênesis 25:27
[7] Gênesis 27:27
[8] Gênesis 25:27
[9] Gênesis 25:28
[10] Gênesis 27:1
[11] Gênesis 27:6
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