Shabát Especial: Os Caminhos Ocultos De Deus

Álef pequena

Nas últimas duas semanas temos observado o povo de Israel construindo o tabernáculo. Este santuário deveria acompanhar o povo Judeu durante sua longa jornada no deserto e deveria ser estabelecido na terra de Israel quando eles finalmente chegassem lá. Finalmente, no último capítulo do livro de Êxodo, ele está terminado. E então… o que acontece a seguir?

«Então a nuvem cobriu o tabernáculo».[1] Uma espessa nuvem cobriu o recém-construído santuário. Por causa dessa nuvem, o próprio Moisés não pôde entrar no santuário. Vocês podem imaginar? Depois de todo o esforço que foi feito neste edifício, ele foi coberto por uma nuvem e parecia totalmente inacessível e totalmente inútil.

Claro, «agora» todos nós sabemos que era a presença de Deus, não apenas uma nuvem! No entanto, pensem no momento em que aconteceu pela primeira vez: como eles poderiam saber exatamente o que era essa nuvem? Ah, sim, estou certa de que Moshé tinha fé, que ele não duvidou ou questionou Deus, mas também estou certa de que havia muitos ali que estavam resmungando, se perguntando por que razão eles gastaram tanto tempo construindo aquilo que agora parecia tão inútil, tão inacessível.

Também temos esta escolha: reconhecer a presença de Deus, a mão de Deus, a voz de Deus ou apenas ver uma nuvem interferindo em nossos planos, algo que «aconteceu» conosco. De uma maneira incrível, como tudo na Torá, essa escolha é refletida na primeira palavra do livro VaYikrá. No texto original Hebraico, a palavra Vayikr tem uma característica específica: é escrita com uma álef minúsculo no final. Existem três tamanhos de letras na Torá: regulares, grandes e minúsculos e cada vez que vemos uma letra de tamanho diferente, devemos procurar uma explicação profunda. Então, por que temos esta álef pequena aqui?

Nossos sábios ofereceram explicações diferentes, mas aqui está a que eu absolutamente amo. A palavra Hebraica VaYikrá sem o álef seria VaYikér, que significa «e aconteceu». Há uma diferença enorme e verdadeiramente ontológica entre a visão de mundo baseada em VaYikrá «e Ele chamou» e a visão de mundo baseada em VaYikér «e aconteceu» —entre ver apenas uma nuvem tornando o mishkán inacessível e reconhecer sua própria presença cobrindo o tabernáculo—. Nossos sábios dizem que quando o Mar Vermelho se abre, todos os mares do mundo se abrem ao mesmo tempo porque o Senhor sempre nos deixa a escolha de perceber seus milagres como apenas alguns eventos naturais. Enquanto estamos aqui nesta terra, tudo, absolutamente tudo, pode ser visto como algo que «simplesmente aconteceu», em oposição a algo que Ele chamou à existência. No entanto, a fé sabe que há um pouco de álef além de tudo o que «simplesmente acontece» e é este álef que faz toda a diferença e nos lembra dos caminhos ocultos de Deus.

A topografia espiritual

O livro de VaYikrá (Levítico) é colocado bem no centro da Torá: há dois livros antes e dois livros depois. Há tanta ação antes de Levítico —todos os eventos e histórias maravilhosos de Gênesis e Êxodo, todas as grandes narrativas que criam figuras tão dramáticas e coloridas nas Bíblias infantis—. Há também alguma ação após este livro, em Números e em Deuteronômio, embora o próprio tom das histórias dos dois últimos livros seja completamente diferente dos dois primeiros. No entanto, aqui, em VaYikrá, quase não há narrativa e praticamente nenhuma ação, tudo fica parado aqui.

Rashí diz: «Treze vezes na Torá, Deus falou com Moisés e Arão juntos, e correspondendo a eles havia treze outras ocasiões em que Deus falou apenas com Moisés». Este é um destes momentos. Aqui Deus fala somente com Moisés. Imagino que quando Deus começou a falar aqui, Moisés ficou confuso, perplexo, até mesmo desanimado por um tempo. Não é que ele nunca tivesse ouvido sua voz antes deste livro no momento em que entramos neste livro, Moisés já é um grande e talentoso líder que conhece muito bem a voz do Senhor e tem feito coisas incríveis para Ele e com Ele. Ele tinha acabado de tirar o povo do Egito, receber os Dez Mandamentos, terminar de construir o tabernáculo, e suponho que, depois de todas estas atividades, ele estava pronto para continuar. Tenho certeza de que ele esperava que o Senhor continuasse lhe dando algumas orientações e instruções práticas:

«Senhor, o que você quer que eu faça a seguir? O que você quer que eu construa para você? Aonde você quer que a gente vá?». Mas não há nenhuma ida ou construção em VaYikrá. Em vez disso, o Senhor fala de sacrifício.

Vocês sabem que em Hebraico, a raiz karáv (קדבkaráv), da qual as palavras lehakreév, «sacrificar», e korbán, «sacrificio», são formadas, é a mesma raiz que forma a palavra lehitkarév, «chegar perto», «aproximar-se», «chegar mais perto». Sim, é simples assim: se vocês querem lehitkarév le Elohím —se aproximar de Deus— vocês tem que aprender lehakreév, «sacrificar». Todo o livro de Levítico (VaYikrá) é sobre isso. E somente quando aprendemos sacrifícar, vem a verdadeira proximidade, a verdadeira intimidade com Deus.

Shabát Zajór

Temos outro lembrete dos caminhos ocultos de Deus neste Shabát. Este Shabát é novamente um daqueles Shabbatót especiais que são referidos por um nome especial: Shabát ZajórShabát Zajór (Shabát [de] lembrança שבת זכור) é o Shabát imediatamente anterior ao Purím. Neste Shabát, no final da porção da Torá, lemos Deuteronômio 25:17-19 : «Lembra-te do que te fez Amaleque no caminho, quando saias do Egito…».

Deuteronômio 25:17 descreve um incidente em Êxodo 17:8-16, logo após os filhos de Israel cruzarem o mar. No terceiro dia de sua viagem pelo deserto, o exército de Amaleque os atacou. Milagrosamente, o povo Judeu derrotou os Amalequitas; no entanto, o que isso tem a ver com Purím, que aconteceu quase mil anos depois, e o que devemos lembrar?

E aqui estamos de volta àquela álef pequena: aos caminhos ocultos de Deus. A Parashát Zajór é lida no Shabát antes de Purím porque a história de Purím na verdade começou centenas de anos antes de Ester, com Saul e Agague. Este foi um começo «oculto»: Hamã era descendente de Agague e descendente de Amaleque. Como seus pais, ele era um inimigo dos Judeus e, portanto, queria exterminar completamente a nação Judaica. Mordecai teve que destruir o descendente de Agague, Hamã, porque o Rei Saul não obedeceu a Deus e não destruiu Agague. Da próxima vez, falaremos mais sobre o Purím e seu começo oculto.

 

 

[1] Êxodo 40:35.

 

Gostaria de lembrá-los, queridos amigosque oferecemos cursos maravilhosos e os convidamos a estudar juntos as Escrituras Hebraicas ou o Contexto Judaico do Novo Testamento. Como sempre, vocês podem entrar em contato comigo para obter mais informações. Além disso, trechos de meus livros estão incluídos neste artigo (e muitos artigos neste blog), então se 
vocês gostam do artigo, poderão gostar também dos livros, vocês podem obtê-los aqui.

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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