O título intrigante
Meus queridos leitores, como provavelmente a maioria de vocês já sabem, eu amo séries. Estou começando uma nova série hoje, e aposto que o título desta série vai intrigá-los. Vou explicar em um segundo porque eu escolhi este nome. No entanto, primeiro eu preciso lhes dizer uma coisa.
Todos vocês conhecem a expressão: «tenho boas e más notícias». Este é exatamente o meu caso hoje. A má notícia é que este blog está mudando para o formato «um artigo por mês» (em vez de um artigo por semana, como tem sido todos esses anos). Suponho que seria uma notícia decepcionante para muitos leitores, e foi uma notícia muito decepcionante para mim também, mas a decisão não é minha, então estou apenas informando a todos vocês. A boa notícia é que espero e tenho motivos para acreditar que seria apenas uma medida temporária, e que em algum momento o blog voltará ao formato «um artigo por semana». Vamos torcer e orar para que isso aconteça em breve!
Agora, por que «Três mais Quatro»? Anos atrás, fui convidada para a Ceia da Páscoa (séder) em um dos lares mais religiosos que eu até então já havia estado. Se vocês já estiveram no verdadeiro séder, vocês provavelmente já experimentaram aquele momento em que a parte ritual acabou e os convidados famintos podem finalmente começar a comer, só que desta vez os anfitriões descobriram que havia outra canção de Pésaj que eles esqueceram de cantar. Ejád mí yodéa é uma canção cumulativa muito longa onde cada verso é construído sobre os versos anteriores e, portanto, cada verso é mais longo que o anterior. A canção tem 13 versos, e demonstra como cada número pode e deve se relacionar com Deus: «Cinco são os livros da Torá… duas são as tábuas do pacto; um é o nosso Deus, no céu e na terra». Há números três e quatro, é claro; vocês podem adivinhar a que eles correspondem? «Três são os Pais», e «Quatro são as Mães». Isso mesmo, o povo Judeu tem três pais e quatro mães e essa é a razão pela qual eu chamei minha nova série: «Três mais Quatro». Originalmente, planejei me debruçar um pouco sobre estes personagens bíblicos, dedicando vários artigos a cada um deles. Já não parece mais uma opção, uma vez que os artigos serão separados pelo mês inteiro. No entanto, ainda pretendo prosseguir com esta série, apenas em vez de uma pesquisa detalhada de cada personagem vou publicar um artigo com algumas percepções Hebraicas sobre este personagem. Vamos começar com Abraão, é claro. Ele é o primeiro pai. Tenho sorte de ter ainda dois posts antes do final deste mês, então haverá dois artigos sobre Abraão e um sobre todos os outros.
Abrão e Melquisedeque
Não tenho dúvidas de que a maioria dos meus leitores são estudantes da Bíblia há muito tempo e conhecem muito bem a Bíblia. A maioria de vocês provavelmente pensa que sabe tudo o que há para saber sobre Abraão. No entanto, existem histórias na Torá que, quando lidas em Hebraico (ou pelo menos, com algum conhecimento do Hebraico), parecem quase irreconhecíveis! Hoje, compartilharei uma dessas histórias e espero que enriqueça sua compreensão de Abraão.
Nossa história acontece em Gênesis 14, mas para entender os eventos deste capítulo, precisamos começar antes. No final de Gênesis 11, lemos que Harã, irmão de Abrão, morreu prematuramente, deixando seu filho Ló órfão. Ló era um menino doce, um adolescente amargo ou um jovem completamente adulto com sua própria família quando seu pai faleceu? Foi neste momento de luto e tristeza que Ló formou este relacionamento especial com seu tio Abrão? Abrão se tornou quase um pai para seu sobrinho órfão? Ló se tornou quase um filho de seu tio sem filhos? Não sabemos todas as respostas; mas sabemos que em Gênesis 12, quando Abrão partiu para Canaã em plena obediência ao chamado de Deus, ele estava pronto para deixar para trás tudo e todos. E levou apenas o seu próprio e seu sobrinho Ló pertencia a este grupo de «muito próprios» de Abrão: «Então Abrão partiu como o Senhor lhe havia falado, e Ló foi com ele… Então Abrão tomou Sara sua esposa e Ló filho de seu irmão…».[1]
Muito em breve, Ló se encontra em apuros. O problema acontece no próximo capítulo quando os reis vizinhos «fizeram guerra com… (o) Rei de Sodoma e também levaram Ló… e partiram».[4] A Escritura não nos diz como Abrão se sente quando ouve que seu sobrinho foi levado cativo; em vez disso, ficamos sabendo que ele perseguiu os culpados até Dã, no norte, a quase 300 quilômetros de Sodoma; que esmagou os inimigos em Hobá, ao norte de Damasco; que libertou seu sobrinho e recuperou as posses de Ló; e que ele fez tudo isso com 318 de seus servos (que serviram como soldados nesta batalha, mas claramente não eram treinados para serem soldados). Um urso bravo protegendo seu filhote é capaz de qualquer coisa, e parece que as ações de Abrão que testemunhamos aqui pertencem a esta mesma categoria.Até onde sabemos, Abraão era um homem muito pacífico. Não o vemos envolvido em batalhas como Davi. Na verdade, esta é a única vez que lemos sobre ele indo para a guerra. Isto diz muito sobre ele, porque nem era a guerra dele; ele definitivamente poderia ter ficado em casa. Em vez disso, ele se levanta e corre 300 quilômetros para resgatar Ló. Ele vence a batalha e traz de volta Ló, e todos os cativos e seus bens. De fato deve ter sido um retorno triunfante! Os cativos resgatados estavam cheios de alegria; o próprio Abrão ficou extremamente grato a Deus por esta vitória milagrosa; e quem então o encontra, neste momento vitorioso?
Aqui, no final do Capítulo 14, nossa história começa. Um leitor Cristão conhece este episódio como «Abrão e Melquisedeque» (muitas Bíblias até inserem este título antes dos versículos 18-20 de Gênesis 14) mas na verdade aqui, no Vale de Shavé (isto é «o Vale do Rei»)[5], não um, mas dois reis se aproximam de Abrão: Bera, Rei de Sodoma, o saúda no versículo 17, e então Melquisedeque, Rei de Salém, traz pão e vinho e o abençoa nos versículos 18-20.
«17 E o Rei de Sodoma saiu ao seu encontro no Vale de Shavé (isto é, o Vale do Rei), depois de seu retorno da derrota de Quedorlaomer e dos reis que estavam com ele».
«18 Então Melquisedeque, Rei de Salém, trouxe pão e vinho; ele era o sacerdote do Deus Altíssimo».
Não um, mas dois reis estão aqui, mas por alguma razão, este fato, junto com toda a tensão dramática da situação inteira, geralmente é ignorado. Por que estes dois reis, representando valores completamente diferentes, aparecem juntos?
Esta história ganha muito mais clareza quando lida em Hebraico, onde os próprios significados das palavras e nomes Hebraicos nos iluminam sobre o que realmente está acontecendo aqui. O encontro acontece no Vale de Shavé e a raiz Hebraica (שוה; shavé) tem dois significados principais: «igual» ou «valor». Além disso, em Hebraico temos uma expressão: chegar ao Vale de Shavé, להגיע לעמק שווה – que significa «chegar a um compromisso». Os dois reis se aproximam de Abrão simultaneamente porque este é um teste que Abrão tem que passar. Suas ofertas podem parecer quase iguais, mas Abrão teve que escolher «a digna». O nome Melquisedeque é uma transliteração do Hebraico (מַלְכִּי־צֶדֶֿק; malkí-tzedék) «meu rei é justiça». O nome (בֶּ-רַע; Berá) significa «com o mal» ou «no mal». Assim, o Hebraico deixa claro que é aqui, neste vale, que Abrão tinha que escolher entre a justiça e o mal; é aqui, neste vale, que Abraão foi testado e tentado a comprometer seus princípios, sua integridade, sua fé. Enquanto Melquisedeque abençoa Abrão e o Deus Altíssimo, garantindo que Abrão saiba que foi Deus quem «entregou seus inimigos em suas mãos»[6], o Rei de Sodoma oferece a ele uma sutil tentação. Felizmente, Abrão reconhece a verdade e a autoridade de Melquisedeque e recusa a tentação de Bera e assim passa por mais um teste de fé.
[1] Gênesis 12:4-5.
[2] Gênesis 13:6.
[3] Gênesis 13:8.
[4] Gênesis 14:2,12.
[5] Gênesis 14:17.
[6] Gênesis 14:20.
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