Vayak’hél: Doadores Generosos

Shabat

A primeira coisa que Moisés fez no início desta porção, depois de reunir «toda a congregação dos Israelitas», foi lembrar ao povo de guardar o shabat. «Tendo Moisés convocado toda a congregação dos filhos de Israel, disse-lhes: “São estas as palavras que o Senhor ordenou que se cumprissem. Trabalhareis seis dias, mas o sétimo dia vos será santo, o shabat do repouso solene ao Senhor; quem nele trabalhar morrerá”».[1] Esta não é a primeira nem a última vez que o povo de Israel ouve sobre o shabat de seu líder: A importância do shabat nas Escrituras Hebraicas não pode ser superestimada. E o Novo Testamento? Ainda considera o shabat como «um dia santo para o Senhor?».

Há uma disputa bem conhecida a respeito de Jesus guardar ou violar o shabat, e muito foi dito e escrito sobre esse assunto. No entanto, ainda hoje, ao ler sobre a cura de Jesus no shabat e sentir essa tensão quase palpável entre Ele e aqueles que «o estavam observando para ver se Ele o curaria no shabat, a fim de o acusarem»,[2] vocês ainda se perguntam se, de fato, Jesus violou o shabat?

Primeiro, temos que deixar clara qual a definição de violação do shabat que temos em mente. Na halajá Judaica de hoje, tratar questões médicas menores e sem risco de vida no shabat é proibido, mas salvar vidas no shabat não é apenas permitido, mas também um dever. No entanto, embora a violação do shabat para cura que salva vidas seja uma prática aceita hoje, no século I esse princípio provavelmente ainda não tinha sido claramente definido. É por isso que o «chefe da sinagoga ficou indignado porque Jesus curava no shabat».[3]  Nesse sentido, o testemunho dos Evangelhos é extremamente significativo: pela primeira vez, vemos aqui o Rabino Judeu Yeshúa permitindo e realizando cura no shabat.

Claro, Jesus não quebrou um mandamento dado por Deus. No entanto, Ele quebrou a tradição contemporânea de guardar o shabat a qualquer custo. Notavelmente, os Evangelhos são a única fonte que temos no século I onde a cura é permitida e realizada no shabat. Na verdade, Jesus defende —talvez até mesmo estabeleça— a mesma abordagem que mais tarde, embora ligeiramente modificada, se tornará normativa no Judaísmo Rabínico. Quanto mais sabemos sobre o Judaísmo, mais interessante se torna essa dinâmica entre o ensino de Jesus e o Judaísmo do século I.


Doadores alegres

A ideia de dar voluntariamente e com alegria (incluindo esmola) é muito difundida no Judaísmo, e podemos encontrar sua expressão em diferentes textos Judaicos. No entanto, a primeira vez na Torá quando vemos pessoas doando de boa vontade e com alegria para o Senhor e sua causa, é a construção do tabernáculo. Lemos que os Israelitas no deserto foram inspirados por Deus e trouxeram suas ofertas com alegria: «todo homem, cujo coração o moveu e cujo espírito o impeliu, e trouxe a oferta  ao Senhor».[4] O Novo Testamento continua a ver essa doação ao Senhor como um privilégio alegre e até mesmo um ato de adoração. Paulo exorta a comunidade dos Coríntios da Nova Aliança a serem «doadores alegres» assim como Deus exortou os Israelitas a serem doadores voluntários e generosos.


Cheio do Espírito

Nas porções anteriores, vimos «Eis que o Senhor chamou pelo nome a Bezalél, filho de Uri, filho de Hur, da tribo de Judá» e «ele o encheu do espírito divino»,[5] dando-lhe sabedoria, entendimento e conhecimento. Sabemos também que a ideia de ser «cheio do Espírito de Deus» é desenvolvida no Novo Testamento por Paulo; de acordo com Paulo, o Espírito poderia e deveria ser manifestado em cada pessoa.[6] No entanto, e quanto ao próprio Paulo? Ele foi chamado por Deus e cheio do espírito? Aqui, realmente vemos a continuidade entre o Novo Testamento e a Torá. De acordo com o Novo Testamento, antes de Paulo se tornar servo de Jesus —e para que ele se tornasse seu servo— primeiro Jesus teve que escolher o próprio Paulo e enchê-lo com o espírito, equipando-o assim espiritualmente, exatamente como Deus escolheu Bezalél, enchendo-o com o espírito e capacitando-o para um serviço especial a Deus. «Então Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos dizendo: “Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus, que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo”».[7] Assim, o Novo Testamento continua com o mesmo padrão que é aparente na Torá: para servir a Deus, é preciso primeiro estar cheio do Espírito de Deus.


O altar de incenso na história de Jesus 

Surpreendentemente, há outro detalhe desta porção que entrou no Novo Testamento; tem a ver com o culto Judaico. Lemos a descrição do altar do incenso: «Fez de madeira de acácia o altar do incenso, tinha um côvado de comprimento, e um de largura; era quadrado e dois de altura; os chifres formavam uma só peça com ele».[8] Encontramos este altar no Novo Testamento? A maioria dos Cristãos provavelmente responderia negativamente a essa pergunta e, ainda assim, o leitor atento não perderá os diferentes detalhes do culto Judaico mencionados pelo Novo Testamento. Assim, no primeiro capítulo do Evangelho de Lucas, lemos sobre Zacarias:

«Ora, aconteceu que exercendo ele diante de Deus o sacerdócio na ordem do seu turno, coube-lhe por sorte, segundo o costume sacerdotal, entrar no santuário do Senhor para queimar o incenso; e durante esse tempo, toda a multidão do povo permanecia da parte de fora, orando. E eis que lhe apareceu um anjo do Senhor, em pé, à direita do altar do incenso».[9]  

Não há dúvida de que esses detalhes na narrativa do Novo Testamento servem ao propósito de enfatizar a continuidade entre as Escrituras Hebraicas e o Novo Testamento. Ao abrir seu Evangelho com uma cena no templo de Jerusalém, Lucas está, sem dúvida, «ancorando Jesus na tradição Judaica».[10] De acordo com Lucas, um anjo do Senhor anuncia, não apenas o nascimento milagroso de um filho ao casal de idosos, mas anuncia o nascimento do precursor do Messias. O fato de este anjo aparecer a Zacarias durante o sacrifício do incenso noturno, «no lado direito do altar do incenso», significa que a história de Jesus começa em um ambiente inteiramente Judaico —no Templo Judaico—.

[1] Êxodo 35:1-2.

[2] Marcos 3:1-6.

[3] Lucas 13:14.

[4] Êxodo 35:21.

[5] Êxodo 35:30-31.

[6] 1 Corintios 12:7-11.

[7] Atos 9:17.

[8] Êxodo 37:25.

[9]  Lucas 1:8-11.

[10] The Jewish Annotated New Testament (p. 2). Oxford University Press. Kindle Edition.

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About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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