Paulo E O Shemá

Introdução

No ano passado comecei a ter um grande avanço no meu entendimento pessoal do Apóstolo Paulo. Eu acho que como a maioria das pessoas me acostumei com Paulo muitas vezes não fazendo sentido. Não me entenda errado, achei compreensível e inspirador muitas coisas que Paulo escreveu, mas depois houve uma grande parte de seus escritos que eu continuava a ter a sensação incômoda de que o sentido estava completamente ausente.

Quando falava sobre Paulo em público citava o Apóstolo Pedro rotineiramente. Você deve se lembrar que Pedro também achava algumas coisas “difíceis  de entender” nas cartas de Paulo (2 Pedro 3:16).

Devo este avanço às vozes de vários estudiosos importantes, mas para mim um em especial se destacou que foi Mark Nanos. O que vem a seguir é meu resumo de sua brilhante discussão juntamente com as adições de meus  próprios conhecimentos e aplicações.

O Shemá e Trindade/Tri-unidade?

Entre os modernos seguidores de Cristo que acham as bases Judaicas do Novo Testamento de particular importância, está um ponto afirmado varias vezes – o famoso “Shemá” (Deuteronômio 6:4) – Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o Único Senhor – usa uma palavra Hebraica  muito interessante אחד (pronunciada ahad) para comunicar a idéia de unidade em vez de uma outra palavra Hebraica יחיד (pronuncia-se yahid) que poderia ter sido utilizada, que trazia a idéia de exclusividade. Portanto, argumenta-se que a idéia encontrada no Shemá é um dos primeiros indicadores da Bíblia Hebraica para a posterior doutrina Cristã da Trindade (ou como alguns a chamam, ou uma versão próxima – Tri-unidade).

Aviso: Para que fique bem claro, isto é como eu pessoalmente entendo e defino a idéia de Tri-unidade /Trindade: O único Deus de Israel, eternamente e misteriosamente existe em três pessoas – o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Embora o Filho e o Espírito sejam funcionalmente subordinados ao Pai (isto é o que é chamado Trindade Econômica em teologia sistemática), eles são iguais a ele em natureza, poder e glória (isto é, o que é chamado de Trindade Ontológica). Correndo o risco de ser excessivamente simplista, poderia ser dito que a Trindade Ontológica trata com o que Deus é, enquanto a Trindade Econômica lida com o que Deus faz e como Deus faz. (A propósito, o que você acha deste artigo, por favor, deixe os comentários no final).

Claro que eu sou inteligente o suficiente (e espero o mesmo de você) para reconhecer que, enquanto esta é como uma construção teológica sistemática Cristã posterior (século 2-3 no mínimo), suas raízes vão muito fundo tanto na Bíblia Hebraica e como no Novo Testamento. (Você pode ver meus argumentos mais detalhados em meu recente livro “O Evangelho Judaico de João: Descobrindo Jesus, Rei de Todo Israel”.) Agora que temos isso resolvido (pelo menos eu espero), eu gostaria de falar sobre o verdadeiro significado do Shemá.

Acho que o Shemá, embora como você viu acima não tenho qualquer problema com Trindade/Tri-unidade teologicamente, nada tem a ver com a idéia de pluralidade da Divindade de qualquer tipo, em vez disso tem a ver com duas outras questões extremamente importantes:

  1. A idéia da aliança única de Israel (o Senhor é nosso Deus) e com,
  2. A idéia de unidade funcional entre  Israel e as Nações (o Senhor é Um). Eu sei que até agora eu não fui muito claro, mas continue lendo, prometo que vou me tornar mais claro muito em breve.

O Shemá no Apóstolo Paulo e outros Sábios Judeus

Mark Nanos em seu artigo Paulo e a Tradição Judaica: A Ideologia do Shemá, que você deve ler assim que ler o meu, argumenta que o Shemá não só era importante, mas central para tudo o que Paulo escreveu (leve essa idéia muito a sério).

Com ou sem razão, Paulo compreendeu o Shemá como uma combinação da singularidade de Israel (O Senhor é nosso Deus) e a unidade funcional (O Senhor é Um).

O que é notável é que  Paulo não estava sozinho neste pensamento. Há boas razões para ver Paulo pensando exatamente da mesma forma como outros Judeus fizeram e ainda farão. Por favor, considere as seguintes duas fontes.

Uma não é muito distante do tempo de Paulo, e uma muito mais distante ao seu tempo. Ambas compreendem o Shemá exatamente da mesma forma que ele fez – ambas apelando para Zacarias 14:9:

“O Senhor, nosso Deus,” sobre nós (os filhos de Israel); “o Senhor é um,” acima de todas as criaturas do mundo. “O Senhor, nosso Deus,” neste mundo;“o Senhor é um”, no mundo vindouro. Como está dito, “o Senhor será rei sobre toda a terra. Naquele dia o Senhor será um e Seu nome um”.
(Sifre sobre Deuteronômio 6:4, comentário escrito c. do século III D.C.)

O Senhor que é o nosso Deus agora, mas não (ainda) o Deus das nações (outras) é destinado a ser o Único Senhor, como está dito… “E o Senhor será rei sobre toda a terra; naquele dia o Senhor será Um e o nome dele Um”
(Rashi sobre Deuteronômio 6:4, comentário escrito no século XI D.C.)

A única diferença real que pode ser estabelecida  entre os Judeus que escreveram os textos acima mencionados, interpretando o Shemá e o Apóstolo Paulo,  era esta:

O Apóstolo Paulo e todo o movimento de Jesus Judeu do primeiro século estava convencido de que os últimos dias -o tempo de colheita das Nações para o Deus de Israel- já tinham começado, enquanto outros Judeus não viam assim.

Como muitos outros Judeus de sua época, Paulo pensava apocalipticamente (ou seja, ele acreditava que o fim dos tempos tinha começado) e o fez à luz da profecia (esta tinha sido há muito antecipada). Muitos não-Israelitas  agora viriam  adorar o Deus de Israel, através de Yeshua (Jesus), o Cristo Judeu. Esta perspectiva apocalíptica e profética sobre o Shemá é o que levou  Paulo e o chamado “Conselho de Jerusalém” (Atos 15) argumentar contra a status quo da conversão das Nações ao Judaísmo (o paradigma de Rute a Moabita em Rute 1:16). Isto foi tão precisamente porque o Reino de Deus já havia chegado e tinha começado a nova era das Nações, voltando-se para Deus. Os Gentios (de acordo com o Conselho de Jerusalém) e (de acordo com Paulo) deve permanecer no status das Nações (1 Corintios 7:17), mas comprometer-se totalmente à adoração do mesmo Deus como fazem os Judeus (Paradigma de Naamã em 2 Reis 5 vs  o Paradigma de Rute do compromisso com o Deus de Israel, você deveria ler mais  em Ainda há Judeus e Gregos em Cristo Jesus? e considerar fazer o curso on-line sobre As Bases Judaicas do Novo Testamento).

O Shemá como o centro da teologia de Paulo

Há muitos lugares onde Paulo usa a idéia da unicidade de Deus, para discutir um ponto (“não se enganem sobre isso – essa é a idéia do Shemá”). Aqui está um bom exemplo de por que ele acha que seu Deus não pode permanecer uma divindade tribal (Deus de Israel apenas), mas deve ser reconhecido como o Deus do mundo inteiro (o Deus de Israel e o Deus das Nações também!).

Lemos em sua carta aos Romanos 3:29-31:

“…É, porventura, Deus somente dos Judeus? Não o é também dos Gentios? Sim, também dos Gentios, visto que Deus é UM só, o qual justificará por fé, o circunciso e, mediante a fé, o incircunciso. Anulamos, pois, a lei, pela fé? Não, de maneira nenhuma, antes confirmamos a Torá (A Lei).

E em sua carta aos Efésios 3:16-19:

Para que, segundo a riqueza  de sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos (Gentios) com poder, mediante o seu Espírito no homem interior; e assim habite Cristo nos vossos corações, pela fé, estando vós arraigados e alicerçados em amor, a fim de poderdes compreender, com todos os santos (Israel), qual é a largura e o comprimento e a altura e a profundidade e conhecer o amor de Cristo que excede todo entendimento – para que sejais tomados de toda a plenitude de Deus.

Ou considere 1 Coríntios 8:4-6:

No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo de si mesmo nada é no mundo, e que não há senão um só Deus. Porque, ainda que haja também alguns que se chamem deuses quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós existimos através dele.  

Qual é o ponto do Apóstolo Paulo aqui? É realmente muito simples: As Nações devem adorar o Deus de Israel como Nações, assim como elas sendo peregrinas com Israel (Lev 17-21) e o “Conselho de Jerusalém” confirmou em Atos 15:28-29 (aproveite para comparar e você verá que o Conselho de Jerusalém não governava, mas simplesmente aceitava o resumo existente das leis de Levítico para as Nações vivendo como parte de Israel).

Os Judeus também devem continuar como antes – adorando o Deus de Israel como Judeus sem mudar seu status de Israel para as Nações! Para ambos há um caminho para Deus  (Israel e as Nações) – Jesus Cristo. Um grupo de Fariseus representado por Paulo argumentava “Há um caminho para ambos receberem a salvação  – pela graça através da fé”. Estas são as palavras de Paulo, o Judeu fariseu, chamado para o serviço do Cristo Judeu (Filipenses 3:5, Gálatas 2:15-16).

A visão de Paulo era que juntos os Judeus e as Nações  iriam estabelecer a Torá – que é comprova-la correta contra todos  suas/seus inimigos  (aqueles que desvalorizam a Torá).  Paulo levava tão a sério isso  que em todas as congregações sob sua direção pastoral ele estabeleceu como uma regra absoluta  permanecer no mesmo status no qual estivesse quando  chamado pelo Messias. (1) O que é absolutamente surpreendente hoje é que se em uma Igreja Cristã pública moderna a pessoa que fala  pedir (como eu fiz em muitas ocasiões) para as pessoas que sabem a que se refere esta regra levantar as mãos, na maioria dos  casos, as respostas estariam completamente erradas. A maioria dos seguidores de Cristo hoje nunca ouviu falar dessa regra, no entanto, é uma das chaves para a compreensão deste homem radical, mas autêntico Judeu, que chamamos o apóstolo Paulo.

Na carta que hoje chamamos 1 Corintios 7:17-20, ele escreveu:

Ande cada um segundo o Senhor lhe tem distribuído, cada um conforme Deus o tem chamado. É assim que ordeno em todas as igrejas. Foi alguém chamado, estando circunciso? não desfaça a circuncisão. Foi alguem chamado estando incircunciso? não se faça circuncidar. A circuncisão em si não é nada; a incircuncisão também nada é, mas o que vale é guardar as ordenanças de Deus. Cada um permaneça na condição em que foi chamado.

A conversão para e distante dos modos de vida Ancestrais Judaicos, ou seja, “a circuncisão” e “incircuncisão” é muito bem atestada na Antiguidade Recente. As pessoas faziam ambas ou ligavam-se aos Judeus (conversão  prosélita) ou tendo nascido Judeus “desligavam-se” deles removendo os sinais da circuncisão. As duas práticas eram altamente controversas e politizadas. O Apóstolo Paulo argumentou que esta prática, de uma maneira ou  outra, ameaça algo muito importante – a autêntica palavra de Deus – Torá. Dois grupos de pessoas permaneciam distintos, mas juntos adorando o mesmo Deus, uma vez que a coisa mais importante no processo do texto acima  citado é “a manutenção dos Mandamentos de Deus”. Em contraste com isto na próxima seção o Apóstolo Paulo argumentou contra manter “a lei dos mandamentos das ordenanças (Público Romano)”(Efésios 2:11-22), que apoiava a idéia de segregação/discriminação dos Judeus e das Nações.

Parte da Comunidade de Israel

Esta noção que o Cristo – chamou o Fariseu, Paulo, previu o fim da discriminação mas a continuação da distinção entre Judeus e as Nações parece ser contrariada agudamente pelo seu próprio argumento em Efésios 2  que agora os Gentios no Cristo Judeu tornaram-se cidadãos plenos da Comunidade de Israel. Mas, meu caro leitor, não há em absoluto nenhuma contradição aqui. Como na moderna Comunidade (Estado) de Israel os Gentios (Israelenses Árabes e outras minorias como  Russos, Armênios, Drusos, Chechenos e os Beduínos, para citar alguns) podem ser (e  muitos são ) cidadãos de primeira classe, assim também os Gentios  na visão apocalíptica de Paulo, agora através do Messias Yeshua, também tornaram-se membros da Comunidade  de Israel! O Apóstolo Paulo escreveu sobre isso em sua agora famosa passagem de Efésios 2:11-22 (sim, eu realizo esta “disputa” pelo  conhecimento da carta do Novo Testamento como tendo vindo do Apóstolo Paulo apesar de algumas diferenças com suas outras cartas):

Portanto, lembrai-vos de que outrora vós, Gentios na carne, chamados “Incircuncisão” por aqueles que se intitulam “Circuncisão”, na carne, por mãos humanas – naquele tempo, estáveis sem Cristo , separados da Comunidade de Israel, e estranhos às alianças da promessa, não tendo esperança, e sem Deus no mundo. Mas agora em Cristo Jesus vós que antes estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque Ele é a nossa paz, o qual de ambos fez um e tendo derrubado a parede da separação que estava no meio, a inimizade, aboliu na sua carne – a lei dos mandamentos em ordenanças (Romano Público), para que dos dois criasse em si mesmo um novo homem, fazendo a paz, e reconciliasse ambos em um só corpo com Deus, por intermédio da cruz , destruindo por ela a inimizade… assim já não sois estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos e sois da família de Deus; edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo Cristo Jesus, a esquina (pedra), no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para santuário dedicado ao Senhor, no qual também vós juntamente estais sendo edificados para habitação de Deus no Espírito.

Em Colossenses 2:11-15, ele escreveu:

Nele também fostes circuncidados, não por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a circuncisão de Cristo; tendo sido sepultados juntamente com ele no batismo, no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos … tendo cancelado o escrito da dívida, que era contra nós e constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o inteiramente, encravando-o na cruz; e, despojando os principados e potestades, publicamente os expôs ao desprezo, triunfando deles na cruz. 15 Portanto, ninguém deve agir como seu juiz em relação à comida ou bebida, ou em relação a uma festa ou uma lua nova ou um dia de Sábado – coisas que são uma sombra do que está por vir; o corpo do qual é Cristo.

que a pontuação não existia no momento da composição (comparar minha tradução com a NASB, da qual a minha é uma variante). Eu também adiciono em itálico meu próprio ajuste de tradução das “ordenanças” (τὸν νόμον τῶν ἐντολῶν ἐν δόγμασιν καταργήσας), um dos principais significados dos quais, é um “público” de tradições de sociedades  (Ef  2:15). A mesma idéia está presente no citado acima  Cl 2:14 (ἐξαλείψας τὸ καθ᾽ ἡμῶν χειρόγραφον τοῖς δόγμασιν ὃ ἦν ὑπεναντίον ἡμῖν). Este “dogma” (δόγμα) tanto em Ef  2 :15 como em Cl  2:14 é superado e completamente destruído no Cristo Judeu através do Espírito de Deus. Os Judeus e as Nações estão agora finalmente livres para lidar um com o outro sem discriminação e segregação. Essas ordenanças e decretos mais decisivamente não são os mandamentos de Deus na Torá, aqueles como Paulo já discutiu devem ser mantidos a todo custo. Estes na verdade já foram  destruídos por Cristo pela sua morte e subsequente ressurreição.

Como você me sinto oprimido pela grandeza da visão de Paulo de seu Deus. Devemos continuar a pensar sobre esta questão. Este não é um caso encerrado:

Será que Paulo  imaginou Uma Torá para Judeus e Gentios, mas dois conjuntos de leis aplicáveis a cada grupo? Será que mais tarde “Muçulmanos” e “Cristãos” estavam geralmente errados (que pode haver apenas uma lei para todas as pessoas)? Será que “Judaísmo”, embora em minoria, tinha razão? Havia uma Torá para ambos (Judeus e Gentios), mas dois conjuntos de leis apropriadamente aplicáveis a ambos.
[line]
(1) Ver artigo de David Rudolf “Paul’s Rule in All the Churches and Torah-Defined Ecclesiological Variegation “. Disponível em https://ejournals.bc.edu/ojs/index.php/scjr/article/download/1556/1409

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Dr. Eli Lizorkin-EyzenbergTo secure your spot in our new course “The Jewish Background of New Testament” - CLICK HERE NOW

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  1. Wladimir Gonçalves de Souza

    Desculpe achei o texto pouco objetivo, confuso e longo demais, prometeu fazer uma análise do Shemá em Paulo fazendo uma conexão com a doutrina da Trindade, me atraiu na hora, porém, mudou de assunto.

  2. Allison Pereira Fernandes

    Ótimos estudos, Parabéns…