Nós já sabemos que o último capítulo do Evangelho de Lucas serve não só como uma maravilhosa transição literária para seu segundo volume, Atos, mas também como a chave espiritual de toda a história da messianidade oculta de Jesus —entendendo os olhos impedidos e abertos no seu Evangelho—.
Vocês, naturalmente, se lembram que, finalmente quando chegou o momento marcado, os olhos dos discípulos foram abertos: “E aconteceu que, quando estava sentado à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o e o partiu, e o deu para eles. Então seus olhos foram abertos e eles o reconheceram; e Ele desapareceu de sua visão”. O momento aqui é de extrema importância: aconteceu no momento específico do partir o pão, deixando os discípulos segurando o pão em suas mãos, sem dúvida impressionados e tremendo com a grandiosidade do que acabara de acontecer. E o que exatamente aconteceu? Procuremos contemplar a essência desse momento crucial —como Lucas o vê e o descreve—.
Precisamos examinar aqui um pouco de Grego. Já vimos que ambos os verbos —impedido e aberto— são utilizados nas formas passivas tanto em Inglês como em Grego: em primeiro lugar, “seus olhos foram impedidos”: Οφθαλμοι αυτων εκρατουντο,[1] em seguida, veio o momento crucial, e “seus olhos foram abertos”: δε διηνοιχθησαν οι οφθαλμοι.[2] A palavra Δι-ανοιγω significa completamente, totalmente aberto. Esta palavra é encontrada várias vezes na Septuaginta, mas a única vez em toda a Septuaginta quando esta linha completa ocorre da mesma maneira, com a mesma redação como é encontrada em Lucas, δε διηνοιχθησαν οι οφθαλμοι, está no terceiro capítulo do Livro de Gênesis, em uma das cenas mais dramáticas das Escrituras. Quando Adão e Eva (Hava) pecaram —quando violaram o mandamento que Deus lhes deu e comeram o fruto da Árvore do Conhecimento, quando o primeiro pecado entrou no mundo, quando tudo mudou e tudo foi virado de cabeça para baixo, neste momento fatídico da criação— diz: “E seus olhos foram abertos…”[3]
O que significa isso, que foram abertos os olhos de Adão e Eva? Esta passagem do livro de Gênesis nos ajuda a compreender melhor a enorme mudança que Lucas descreve. A Queda não foi apenas um dos principais eventos da história da criação, foi um cataclismo global —uma mudança total no status e na estrutura do universo—. O que a Bíblia descreve como os olhos (de Adão e Eva) sendo abertos é uma das manifestações e consequências mais substanciais e fundamentais dessa mudança global. Adão e Eva, que até então tinham visto Deus em Sua realidade, e viram tudo apenas em Sua luz e a luz de Sua realidade, começaram a ver o mundo com uma visão nublada e pecaminosa, que desde então se tornou e permaneceu a visão humana da realidade. A capacidade de ver Deus que lhes foi dada originalmente ficou fraca e foi perdida, e mesmo Adão e Eva, para não mencionar seus descendentes, começaram a ver este mundo da maneira como a humanidade continuaria a vê-lo ao longo dos tempos: pesado, material e físico. Eles deixaram Sua presença —e “seus olhos foram abertos” para essa visão do mundo—. De agora em diante, para ver o invisível, o homem precisaria de fé. Por isso o Senhor estava tão preocupado com o fato de que eles não “estenderiam a mão e tomassem também da Árvore da Vida, e comessem, e vivessem para sempre”;[4] que eles não permaneceriam para sempre assim —incapazes de ver a realidade espiritual, capazes de ver apenas o material e o físico—. E a partir desse momento no terceiro capítulo de Gênesis, quando Adão e Eva pecaram, quando “seus olhos foram abertos” para este mundo e eles precisavam se esconder do Senhor, Deus tem lidado com Tikkun Olam (reparação do mundo); e desse momento em diante, Ele tem estado ansioso pelo momento em que os olhos das pessoas seriam abertos novamente, mas desta vez, abertos na direção inversa —ver o que é invisível para essa visão humana pecaminosa e sobrecarregada—.
De acordo com a opinião acadêmica, o Grego de Lucas é o melhor de todos os quatro Evangelhos. É provável que o Grego fosse o idioma nativo do evangelista. Não há dúvida de que Lucas conhecia muito bem a LXX (a Septuaginta) e provavelmente foi influenciado por ela. Portanto, podemos sugerir que esta simetria marcante entre διηνοιχθησαν οι οφθαλμοι em Lucas 24 e διηνοιχθησαν οι οφθαλμοι em Gênesis 3: 7 é intencional e que Lucas mostra propositalmente aqui a principal reversão de Gênesis 3 e ele quer que seus leitores entendam, não somente a profundidade e a grandiosidade do que aconteceu na estrada para Emaús, mas a mudança fundamental no status do universo quando a Messianidade de Jesus é revelada e reconhecida.
É importante lembrar, entretanto, que não só os olhos dos discípulos se abriram, mas naquele momento, Jesus se tornou invisível para eles. Assim, Lucas apresenta sua história de Emaus como um tipo e símbolo da reversão principal de Gênesis 3. Esta reversão total é completada e confirmada por Lucas 24:31: os olhos dos discípulos foram abertos —para ver o invisível—.
Lucas é o único Evangelho que tem a história de Emaús, e ele quer que seus leitores vejam que os discípulos não reconhecem Jesus enquanto ele está com eles e visível aos seus olhos, mas que seus olhos são abertos e eles o reconhecem somente quando Ele desaparece de seu olhar visível. A transição que testemunhamos aqui é do Messias visível, mas não reconhecido —para o Messias reconhecido, mas invisível—. Nesse sentido, o último capítulo do Evangelho de Lucas simboliza a mensagem inteira e fornece uma excelente transição do primeiro volume para o segundo volume de seus escritos: do Messias visível, mas oculto, para o Messias revelado, mas invisível.
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[1] Lucas 24:16
[2] Lucas 24:29
[3] Gênesis 3:7
[4] Gênesis 3:22
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