Esta é a terceira e última parte do nosso estudo da origem Judaica do segredo Messiânico. Vamos então fazer uma pausa a partir deste tema, e voltaremos a ele mais tarde, para examinar o tema do Messias oculto / revelado no Novo Testamento. Em nosso último post falamos sobre o Salvador Oculto nos escritos Apocalípticos e de Qumran. Temos que estar cientes, porém, que tanto os escritos Apocalípticos e os de Qumran vêm de autores vivendo à margem da vida Judaica comum. A questão é se temos qualquer evidência adicional ou sim temos algo que pode ser tomado como uma representação verdadeira da religião desse período onde podemos procurar por um Messias oculto?
Targums. Aqui os Targums, interpretações livres em Aramaico do Antigo Testamento para uso nas sinagogas, entram em cena. Apesar das datas antigas da redação final destes textos (a redação básica dos primeiros Targums pode ter sido do final do segundo ou terceiro século D.C, e muitos dos textos disponíveis são datados até mais tarde), a tradição interpretativa que representam pertence ao período do Segundo Templo. Encontramos aqui um Messias escondido e revelado? Quando nos voltamos para os textos ficaremos surpresos ao descobrir quantas vezes os Targums falam sobre o Messias sendo revelado, embora não haja nenhuma palavra sobre oculto e revelado no texto original Hebraico. Enquanto nos escritos rabínicos lemos principalmente (embora não exclusivamente) da vinda (בוא) do Messias, os Targums, quando se referem ao advento do Messias, falam dele como “sendo revelado” (אתגלי). Obviamente que traduzir também significa interpretar, então é muito significativo o próprio fato de que a palavra revelado parecia o verbo mais apropriado para se usar em conexão com o Messias.
Vejamos alguns exemplos de textos (divergências do Targum em relação ao texto Hebraico são indicadas em itálico).
Genesis 35:21: Então, partiu Israel e armou a sua tenda do outro lado da torre de Eder.
Targum Pseudo-Jônatas para Genesis 35:21: “de Migdal Eder “é revelado o Rei Messias (עתיד דאתגלי) no fim dos dias”.
Jeremias, 30:21: E seu príncipe virá do meio deles (em Hebraico: ומשלו מקרבו יצא).
Targum Jeremias, 30:21: “e seu Ungido será revelado do meio deles”.
Miqueias 4:8: A ti, ó torre do rebanho, monte da filha de Sião, a ti virá.
Targum Miqueias 4:8: “E você, ó ungido de Israel, que foi escondido por causa dos pecados da congregação de Sião, o reino virá a ti”.
Zacarias 3:8: Eis! que eu farei vir o meu servo, o Renovo (Em Hebraico: כי-הנני מביא את-עבדי צמח)
Targum Zacarias 3:8: “Eis! Vou trazer meu servo, o Ungido, e ele será revelado”.
Zacarias 4:7: e ele trará a pedra angular…
Targum Zacarias 4:7: “E ele revelará o seu Ungido cujo nome é contado a partir dos velhos, e ele dominará todos os reinos”.
Zacarias 6:12: E dize-lhe: ‘Assim diz o Senhor dos Exércitos: Eis aqui o homem cujo nome é Renovo: ele brotará do seu lugar e edificará o templo do Senhor’.
Targum Zacarias 6:12: “E você deve falar com ele, dizendo: ‘Assim fala o Senhor dos Exércitos, dizendo: Eis que o homem cujo nome é Ungido, será revelado, e ele se levantará, e edificará o templo do Senhor’”.
Literatura rabínica. Esta ideia do Messias desconhecido ou escondido também ocorre na literatura Rabínica posterior. Na verdade todos os textos rabínicos disponíveis foram compilados e editados muito mais tarde do que o período do NT. No entanto dos professores cujos enunciados são estabelecidos nestas compilações, os mais antigos eram discípulos das escolas de Hillel e Shammai, do primeiro século A.C, e, portanto, alguns destes textos revelam as crenças dos Judeus antes da queda de Jerusalém. Vemos que diferentes textos Rabínicos lidam com esta ideia do Messias sendo escondido por algum tempo e, em seguida, sendo revelado. Assim o Midrash Tehilim (Midrash em Salmos) comenta sobre o Salmo 21:1: “…o rei Messias, filho de Davi… permanecerá oculto até o momento da redenção”. O Midrash Ruth Rabá 5:6: “Assim como o primeiro redentor foi revelado a eles no Egito, e depois escondido deles até que fosse a hora de revela-lo novamente, assim será com o redentor final: o redentor final em primeiro lugar seria revelado a eles, e, em seguida, seria escondido deles por um tempo”. Lemos no Midrash Bereshit Rabba, Piska 36: “e Deus viu a luz que era boa (Gen.1.4). Este versículo prova que o Santo, bendito seja, contemplou o Messias e seus trabalhos antes que o mundo fosse criado, e então guardou Seu Messias sob o Seu trono de glória até o tempo da geração em que ele aparecerá”.
Portanto, podemos ver que a literatura Rabínica também traz um testemunho à ideia de que quando o Messias vier, será escondido, ou não reconhecido, até o momento em que ele é revelado por Deus. Não é significativo, por exemplo, que em fontes Judaicas posteriores, o segundo Messias torna-se Filho de José? Toda a história de José não é tanto sobre o sofrimento, como sobre não ser reconhecido. Há outras pessoas nas escrituras que sofreram muito, e se o Messias tinha que simbolizar o sofrimento e a morte, seria muito mais lógico para ele ser chamado Filho de Jó –sendo Jó um símbolo do sofrimento no Tanach–. No entanto, a maior história da Bíblia Hebraica sobre ser reconhecido (até que ele mesmo revele sua identidade), é a história de José. Neste sentido, o Messias Filho de José dos textos Rabínicos também testemunha o fato de que “o incógnito” do Messias torna-se uma característica essencial da literatura Judaica posterior.
Conclusão. Podemos resumir nosso estudo em alguns resultados preliminares.
– Toda a evidência mostra que quase todos as tendências do Judaísmo do Segundo Templo mantiveram algumas crenças sobre o “Messias escondido”. Vimos alguns textos –principalmente os apocalípticos, mas também Targums– referindo-se ao próprio salvador ‘escondido’, para aquele que estava escondido desde o início e será revelado apenas quando chegar a hora marcada. Os textos do segundo grupo são construídas em torno do tema “não reconhecido”: Quando o Messias vier, seria difícil para identificar; ele será “escondido, sem estima, desconhecido, seu segredo selado”. Este tema está presente em certa medida, em alguns textos do Qumran. No entanto, torna-se especialmente claro na literatura Rabínica posterior.
– Nós vemos algo muito intrigante nestes textos: vemos que no livro de Enoque, escrito aproximadamente no 1 século A.C, o Messias está escondido no céu, mas, em seguida, na literatura Rabínica começando a partir de 1 D.C, vemos o Messias já oculto e não reconhecido na terra. Entendemos, portanto, que o tema do “Messias escondido no céu e, em seguida, vindo à terra”, foi uma parte do Judaísmo intertestamental. Eu acredito que ele pode nos ajudar a entender melhor a história de Israel.
– Se o Messias não é reconhecido –e ele não é suposto ser reconhecido– isso significa que ele tem que estar em silêncio sobre sua messianidade. Com efeito, isso significa que a ideia de que quando o Messias viesse, ele iria manter o silêncio a respeito de sua condição messiânica e não seria reconhecido até que Deus o faz manifesto, torna-se uma idéia corrente do pensamento religioso Judaico na virada da época. O Messias precisava permanecer escondido e não poderia revelar quem era. Assim, chegamos a uma nova e mais profunda compreensão do segredo messiânico dos Evangelhos: entendemos que o silêncio de Jesus dos Evangelhos era precisamente o que se esperava do Messias quando viesse.
Neste momento, com todas essas conclusões obtidas, vamos passar para o Novo Testamento…
Parabéns Julia!
Muito interessante a comparação de José e do Messianismo de Jesus, ambos “incógnitos, envoltos em mistério” até o momento determinado por Deus. Tenho muita curiosidade sobre a pessoa de José.
A inclusão da literatura apocalítica no texto trouxe uma clareza relevante aos dois temas (Messianismo e Literatura Apocalíptica).
Excelente trabalho!
Estou adorando poder juntamente com voces ter a oportunidade de tomar algum conhecimento deste estudo maravilho. Muito embora tenha recebido via email alguns convites para estudar o hebraico biblico lamento dizer que momentaneamente não estou em condições para tal… Porém continuo na espectativa de alguma forma ($) em momento oportuno ter condições de matricular-me no curso da eTeacher.
Voces estão sem sombra nenhuma de parabens por todo esforço e trabalho até o momento apresentado.
Que “D’US”, o todo poderoso os abençoem.
Que bom que estão traduzindo todos os artigos dela, gostaria que traduzissem dos outros autores que falam sobre o NT tbm. Obrigado a todos do e-teacher!