Porção Da Torá No Tempo Atual: Miketz

DOIS ANOS DE DIAS

No início de nossa porção da Torah, lemos: no final de dois anos completos, o Faraó sonhou”.[1] Há uma pequena diferença quando se lê em Hebraico: MiKetz Shnataim Yamim (מִקֵּץ שְׁנָתַיִם יָמִים) —no final de “dois anos de dias”—. A palavra yamim —dias— não ocorre em nenhuma tradução. As traduções falam apenas de “dois anos” (dois anos completos, em algumas traduções), enquanto o texto original fala de “dois anos de dias”. Por quê?

O texto Hebraico aqui transmite uma verdade muito profunda: para José, esses dois anos de prisão consistiram em muitos dias isolados —dias cheios de angústia, dor, novas esperanças e novas decepções—. Todos os dias ele tinha que escolher confiar em Deus, não importava o quanto estivesse exausto ou desapontado. A palavra “dias” nos assegura que Deus viu todos os dias da prisão de José: Ele conhecia a dor e a angústia de cada um desses dias. A beleza e a profundidade do Hebraico tornam esta mensagem muito clara: nossa vida é medida por anos, meses ou semanas —no entanto—, esses anos, meses ou semanas consistem em dias cheios de desafios e escolhas, esperanças e desapontamentos, e Deus vê e conhece cada um desses dias.[2]

O NOVO NOME DE JOSÉ

Em Gênesis 41:45 , como um sinal da nova identidade de José, “Faraó… deu a José o nome de Zafenate-Panéia”. Não há acordo entre os Egiptólogos sobre o que este nome realmente significa, e até hoje não houve uma interpretação aceita por todos. A antiga tradição interpretativa Judaica, entretanto, deriva o nome Zapheath-Paneah das raízes Hebraicas (e não Egípcias): פִּעְנֵחַ  צפן (paneah e tsaphan). Quais são os significados dessas raízes?

Tsaphan significa “esconder, guardar ou guardar”. Encontramos um bom exemplo nas bem conhecidas palavras de Salmos.119: “Tua Palavra eu escondi em meu coração…” (Em Hebraico é:בְּ֭לִבִּי צָפַ֣נְתִּי  Belibi tsaphanti…). Paneach significa “decifrar; descobrir, resolver; decodificar, interpretar”. Assim, Zafenate-Panéia, o nome Egípcio de José, pode ser traduzido como: “Aquele que explica as coisas ocultas”. Esse poderia ser o nome que o Faraó daria a José —afinal, ele interpretou os sonhos do Faraó—. 

Mas esse nome também pode ser traduzido como “A Revelação do Oculto”. Então, isso refletiria não apenas a compreensão de Faraó a respeito de José, mas todo o plano de Deus revelado nessa história e através dela.

O PRIMEIRO ENCONTRO

Quando lemos sobre o primeiro encontro de José com seus irmãos no Egito: “José viu seus irmãos e os reconheceu, porém não se deu a conhecer…” —nada nos parece incomum nesta frase em Inglês—. No entanto, quando lemos em Hebraico, descobrimos algo muito intrigante: o verbo ‘ele os reconheceu’ e o verbo ‘ele não se deu a conhecer’ (וַיִּתְנַכֵּר אֲלֵיהֶם) são derivados da mesma raiz. Como pode ser?

Este é um exemplo excepcionalmente belo de quão profunda e multifacetada é a língua Hebraica e quão profunda é a Sua Palavra. O Hebraico Bíblico é principalmente uma linguagem verbal e os verbos são derivados das raízes. Raízes são três grupos consonantais que compõem a “essência” do significado da palavra. A maioria dos verbos Hebraicos são formados a partir desta raiz de três consoantes, alterando as vogais e adicionando diferentes prefixos e sufixos, formando assim diferentes troncos. Dependendo de seus troncos (binyan), verbos da mesma raiz podem ter significados muito diferentes. No entanto, sendo derivados da mesma raiz, todos eles têm algo em comum —todos eles se relacionam com a mesma “essência”—.

Assim, estas duas ações, completamente opostas em um sentido —”reconhecer”(וַיַּכִּרֵם) e “disfarçar” (וַיִּתְנַכֵּר אֲלֵיהֶם) em Hebraico—, são expressas com verbos vindos da mesma raiz. Sim, José fez-se um estranho, e ainda, fora de seu disfarce, esta raiz surpreendente de conhecimento e reconhecimento toca o coração dos irmãos com algo familiar. E essa incrível dinâmica é refletida nesses dois verbos, derivados da mesma raiz: hikir – hitnaker.

O SEGUNDO ENCONTRO[3]

No capítulo quarenta e três de Gênesis, vemos os irmãos, tendo viajado para o Egito juntamente com Benjamim, novamente em pé diante de José. Dez deles já tinham estado aqui antes e toda essa cena foi um déjà vu desagradável para eles. Cansados da dependência incomum, esperavam pelo final com impaciência angustiante. Apenas Benjamin, olhando pela primeira vez nos olhos daquele de quem tanto ouvira, examina esse estranho homem com evidente curiosidade. Quem é ele? Por que ele foi tão insistente na sua vinda, de Benjamin? E o que é ainda mais peculiar, agora que Benjamin finalmente chegou, por que ele nem se incomoda em olhar para ele?

Vocês perceberam esse ponto que deve ter surpreendido tanto Benjamin? A partir do momento em que os irmãos se aproximam de José e ele começa a falar com eles, até o momento em que ele levantou os olhos e viu seu irmão Benjamim, filho de sua mãe”,[4] uma eternidade inteira se passa. Quatro versículos das Escrituras podem compor vários momentos muito longos na vida real. Poderia ser possível que José realmente não tenha notado Benjamin até agora? O coração astuto entende, no entanto, o quanto esses longos e prolongados minutos significam. Esse único detalhe dramático é suficiente para mostrar quão infinito é o amor que José tem por seu irmão. Quem entre nós, pelo menos uma vez, não experimentou algo similar? Quando alguém ou algo, o objeto de suas incansáveis ​​expectativas e sonhos, está finalmente diante de vocês, tendo sonhado tão apaixonadamente e por tanto tempo com esse instante, vocês tem medo de levantar os olhos nessa direção por receio de que a miragem possa se dissolver, ou que vocês serão dominados e seu coração exploda, tem medo de que tudo acabe sendo um sonho… ou que vocês corram rápido demais para as ondas altas da incompreensível ilimitada felicidade que agora ameaçam engolir vocês com seu poder. José, que sem dúvida notou Benjamin desde o segundo em que entrou, continua a conversar com os outros como se não conhecesse o recém-chegado. Com todas as suas forças, ele evita olhar para aquele irmão antes que chegue a hora certa, porque ele reconhece que, quando o fizer, não será mais capaz de falar, incapaz de resistir a ser arrastado pela onda de emoções que o domina. Só depois de todas as palavras obrigatórias de boas-vindas serem pronunciadas ele se permite essa indulgência. Ele se permite pela primeira vez olhar plenamente “o filho de sua mãe”. Ele se permite “levantar os olhos e ver seu irmão Benjamin” e olhar, esquecendo tudo e todos, absorvendo estes aspectos infinitamente caros… até que eles se tornem suspeitosamente nebulosos, até que eles começam a nadar e seus olhos ardam com algo inconveniente e inaceitável, algo indecentemente quente e salgado.

A descrição dos sentimentos de José é profundamente intensa no Hebraico:

Agora seu coração se comovia  por seu irmão” (כי-נכמרו רחמיו אל-אחיו).

Essa é uma das expressões mais fortes, se não a mais forte, no Tanach para descrever os sentimentos que permeiam uma pessoa amorosa. Quando o Rei Salomão, por exemplo, estava decidindo quem era a mãe do bebê e fez como se tivesse que dividir a criança em dois com a espada, diz-se  da mãe verdadeira:

Ela se comoveu com compaixão por seu filho[5] (נכמרו רחמיה אל-בניה).

É interessante que não somente a raiz רחם signifique “útero”, mas também as palavras “compaixão”, “misericórdia” e “benignidade” são derivadas dessa raiz. A combinação dessas duas definições tornam aquele amor profundo que cerca a alma. Descreve a emoção com a qual José é dominado, como uma onda engolindo-o da cabeça aos pés. Agora seu coração se “comoveu por causa de seu irmão; assim José se apressou e procurou um lugar para chorar.

 

 

[1] Gênesis .41:1.

[2] Ainda hoje, em Hebraico, a palavra “dias” é frequentemente acrescentada quando se fala de tempo: uma semana de dias, um mês de dias. שבוע ימים. חודש ימים.

[3] Este capítulo é retirado do meu livro “If you are the Son of God”.

[4] Gênesis 43:29.

[5] 1 Reis 3:26; A NASB traduz essa frase como: “Ela ficou profundamente comovida por seu filho“.

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Finalmente, mesmo que este ano eu não tenha publicado nada sobre o Hanukkah, uma vez que eu não quis interromper minha série Torah Portion, vocês podem ler meus posts dos anos anteriores sobre Hanukkah:

https://blog.israelbiblicalstudies.com/pt-br/jewish-studies/viemos-afastar-escuridao-cancao-hanukkah/

https://blog.israelbiblicalstudies.com/pt-br/jewish-studies/reflexoes-hanukkah-natal/

Eu quero desejar a todos vocês CHAG URIM SAMEACH! FELIZ HANUKKAH a todos os meus MARAVILHOSOS LEITORES! Que Sua Luz brilhe sempre em seu coração e em sua vida!

About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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