Três Mais Quatro: Isaque

Continuamos nossa série «Três mais Quatro» e ainda estamos na parte «três»: os Patriarcas. Da última vez, falamos sobre Abraão; hoje, falaremos sobre Isaque. Relembro que minha tarefa aqui não é desenhar um retrato bíblico completo, especialmente agora, quando os artigos estão sendo publicados uma vez por mês, mas apenas compartilhar com vocês os detalhes e perspectivas  que podem não ser conhecidos por um leitor Cristão: eles são baseados no significado das palavras Hebraicas originais ou tirados da tradição Judaica.

Qual a idade de Isaque?

Quando lemos Gênesis 22, imaginamos uma montanha, e o pai e o menino subindo juntos. Graças à simples frase ַיֵּלְכוּ שְׁנֵיהֶם יַחְדָּו –«e os dois caminharam juntos»– temos um vislumbre de uma grande união. Enquanto Abraão sabia muito bem o motivo de subir esta montanha, o filho não sabia de nada e estava claramente perplexo, o tempo todo entendendo cada vez menos o que realmente estava acontecendo e «onde estava o cordeiro para o holocausto». No entanto, ele continuou a seguir seu pai em perfeita obediência e perfeita confiança.

Na tradição Cristã, Isaque é sempre representado como uma criança ou adolescente e sua obediência é percebida como a obediência de uma criança ao pai. No entanto, era Isaque de fato um menino, seguindo obedientemente seu pai? Embora nada no texto indique a idade de Isaque, algumas sugestões podem ser feitas com base no texto da Torá e estas sugestões podem realmente surpreendê-los.

Na tradição Judaica, a morte de Sara em Gênesis 23 é justaposta ao evento de Gênesis 22: quando Sara ouviu que «seu filho estava preparado para o sacrifício e quase foi morto, sua alma voou dela e ela morreu».[1] Sara morreu aos 127 anos, o que significa que Isaque tinha 37 anos quando foi levado ao Monte Moriá, não uma criança, como é percebido na tradição Cristã. Obviamente, foi um grande trauma para ele: muitos anos depois, Jacó se referiria ao Deus de seu pai como o «Medo de Isaque»[2] (פַ֤חַד יִצְחָק֙), uma alusão da experiência no Monte Moriá. No entanto, a obediência de Isaque à vontade de seu pai, seu livre consentimento e prontidão altruísta para ser sacrificado, tudo se torna muito mais profundo quando pensamos nele como um homem adulto forte, seguindo voluntariamente seu pai idoso e obviamente mais fraco.

Para onde foi Isaque?

Esta história, a história do sacrifício de Isaque, contém, entre outros enigmas, mais um mistério que nossos sábios há muito apontam. Depois de tudo o que aconteceu no Monte Moriá, depois que a faca levantada foi detida pela voz do céu, Gênesis 22:19 afirma: «Abraão voltou aos seus servos e, juntos, foram para  Berseba, onde fixou residência»Isaque não é mencionado lá. Para onde ele desapareceu? O que aconteceu com ele depois da Aqedá?

Esta questão desencadeou inúmeros discursos e especulações, que são apresentados numa grande variedade de obras pelos nossos sábios e rabinos. Para onde foi Isaque? As Escrituras nos informam apenas sobre o retorno de Abraão. Isaque desaparece e não reaparece até Gênesis 24, logo antes de seu encontro com Rebeca.

Gênesis 24:62 afirma que Isaque veio do caminho de Beer Laai Roi. Se vocês não sabem Hebraico, este nome não significa nada. Em Hebraico, porém, tem um significado profundo: «O Poço do Vivente que Me Vê!». A mensagem deste nome é que, embora Isaque tenha desaparecido de cena, ele nunca desapareceu da vista de Deus. Embora seus pais não pudessem vê-lo, e embora ele desapareça das páginas da Torá, Deus ainda o viu e sabia tudo sobre ele, assim como Ele vê você e eu: «Aquele que me vê vive».

Marido de oração

Há um versículo em Gênesis 25, que invariavelmente toca meu coração: «Isaque orou ao Senhor em favor de sua esposa, porque ela não tinha filhos. O Senhor respondeu à sua oração...».[3] Existem vários detalhes, especialmente em Hebraico, que tornam este versículo muito especial. Sabemos que Isaque é o único patriarca que permaneceu monogâmico toda a sua vida: este versículo nos fornece uma visão da relação muito próxima e íntima deste casal?

Tanto Sara, esposa de Abraão, quanto Raquel, esposa de Jacó, também foram estéreis por um tempo, mas não ouvimos uma única palavra nas Escrituras falando de Abraão orando por Sara. Com Jacó foi ainda pior: quando Raquel reclamou de sua esterilidade, Jacó ficou zangado e disse: «Estou eu no lugar de Deus?».[4] Assim, Isaque foi de fato o único que «suplicou ao Senhor» em favor de sua esposa estéril: «Isaque orou  ao Senhor por sua mulher, porque ela era estéril; e o Senhor lhe ouviu as orações».[5]

Surpreendentemente, a frase וַיֶּעְתַּר יִצְחָק לַיהוה (vaye’etár Itzják ladonái) – «Isaque implorou ao SENHOR» e a frase  וַיֵּעָתֶר לוֹ יהוה (vaye’atér ló Adonái) – «o SENHOR respondeu a sua súplica», usa a mesma raiz Hebraica. No entanto, toda esta dinâmica entre a súplica de Isaque e a resposta do Senhor se perde completamente na tradução, pois ambas as frases são traduzidas com verbos totalmente diferentes. Acredito que para muitos maridos e esposas, esta dinâmica, este compromisso de suplicar até que o Senhor responda ao pedido pode ser realmente revelador. Portanto, é muito importante não perder percepções como estas, encontradas no texto Hebraico.

Por que Isaque amava Esau?

Enquanto as Escrituras nos falam sobre o favoritismo dos pais na família de Isaque e Rebeca, notavelmente, não encontramos nenhum julgamento ou explicação para esta situação. A Torá não justifica, não desculpa, não fornece nenhum comentário, ela simplesmente declara os fatos: «Isaque amava Esaú… mas Rebeca amava Jacó»[6] e ficamos imaginando por quê. Por que esse favoritismo dos pais aconteceu e como começou? 

Devemos lembrar que, ao contrário de seus pais, Isaque era sabra, ele nasceu na terra, ele ficou na terra a vida toda, além disso, ele trabalhou a terra! Ele foi o primeiro agricultor de sua família: ele semeou e colheu, e tornou-se extremamente abençoado nisso: «Então Isaque semeou naquela terra e colheu no mesmo ano cem vezes mais; e o Senhor o abençoou».[7] Assim, sabemos que Isaque trabalhou a terra e colheu uma colheita abundante de seus campos.

Agora, prestem muita atenção: enquanto a maioria das traduções Inglesas chama Esaú de «um homem do ar livre», o texto Hebraico o chama de «um homem do campo»É provavelmente por isso que Isaque amava Esaú: ambos eram homens do campo: «Oh, o cheiro do meu filho é como o cheiro de um campo que o Senhor abençoou».[8] O campo é um símbolo de quem ama a terra e a natureza, e Isaque e Esaú provavelmente passavam muito tempo juntos ao ar livre, nos campos. Acredito que foi assim que se desenvolveu o vínculo especial deles: no entanto, não o entenderíamos, a menos que saibamos que, no texto original Hebraico, Esaú é chamado de «homem do campo».

 

[1] Gênesis Rabá 58:5.

[2] Gênesis 31:42.

[3] Gênesis 25:21.

[4] Gênesis 30:2.

[5] Gênesis 25:21.

[6] Gênesis 25:28.

[7] Gênesis 26:12.

[8] Gênesis 27:27.

As ideias que você lê nestas páginas são típicas do que compartilhamos com nossos alunos durante as aulas de DHB (Discovering the Hebrew Bible/Descobrindo a Bíblia Hebraica) ou WTP (Weekly Torah Portion/Porção Semanal de Torá). Se esses artigos abrirem seu apetite para descobrir os tesouros escondidos da Bíblia hebraica, ou um estudo aprofundado da Parashát Shavúa, juntamente com ideias do Novo Testamento, ficarei feliz em fornecer mais informações (e um desconto de professor para novos alunos, também) em relação aos cursos eTeacher (juliab@eteachergroup.com).

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About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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