A Linhagem de Caim
Na última vez, discutimos a diferença nas ocupações de Caim e Abel, sugerindo que Abel provavelmente escolheu uma vida errante, pois não estava disposto a ter suas raízes na terra amaldiçoada e no mundo caído, enquanto Caim escolheu uma vida estabelecida, desfrutando o mundo como ele era. Vimos a confirmação dessa ideia no castigo que Deus mais tarde deu a Caim. Deus diz: «Quando lavrares o solo não te dará ele a sua força, serás fugitivo e errante pela terra». Em outras palavras, Deus diz a Caim: «Você não tem permissão para morar em um lugar, será um nômade», algo que desde o início Caim se esforçou muito para evitar ao escolher a vida estabelecida de um fazendeiro! No entanto, o banido Caim se fixou, mas ele se estabeleceu na terra de Nod – נוד —o que significa: a terra de «errantes», «desassossego», «inquietação»—. Ele construiu uma cidade nesta terra —e, a propósito, acho que a atitude da Torá em relação às cidades está claramente expressa neste detalhe—: o primeiro construtor da primeira cidade foi um assassino e um fora da lei. Não é irrelevante, que a primeira coisa que Deus faz com Abraão é chamá-lo para fora da cidade de Harã: «Saia da… casa de seu pai».
Caim foi para a terra de Nod, pois em nenhum lugar ele poderia estar em repouso. Mas quando vemos Caim construindo uma cidade lá —entendemos que ele está tentando retornar à vida estabelecida e aproveitar o mundo como ele é—. Ao seguirmos a linhagem dos descendentes de Caim, vemos essa tendência apenas crescendo e se desenvolvendo —até Lameque, o quinto a partir de Caim—, o caráter de toda a linhagem de Caimitas parece totalmente desenvolvido e expresso. Vocês já pensaram no fato amargo de que dentro de poucas gerações —de fato, na vida do primeiro homem—, quase todo mandamento de Deus foi quebrado? A primeira violação direta do mandamento de Deus foi a introdução da poligamia. «Lameque tomou para si duas esposas». Então, as Escrituras preservam para nós o discurso de Lameque para suas duas esposas, a mais antiga peça de poesia da Torá, «foi designada como “Canção da Espada de Lameque” e respira um espírito de desafio arrogante, de confiança em sua própria força, de violência e de assassinato». Ao lermos, entendemos que toda a civilização construída pela família de Caim é essencialmente sem Deus; aparentemente, em Lameque e seu cântico, essa impiedade já havia atingido proporções tão grandes que a Torá até parou de rastrear seu crescimento: o registro separado dos Caimitas cessa com Lameque e seus filhos, e não há mais menção específica deles nas Escrituras. E, ao ler este capítulo sombrio e traçar a linhagem de Caim, entendemos que apenas algumas gerações depois do jardim do Éden, a violência, a luxúria e a impiedade prevalecem sobre a terra. Existe algum raio de esperança nessa escuridão?
Sete e seus descendentes: Esperança na escuridão
Finalmente, nos dois últimos versículos deste capítulo, encontramos esperança. Primeiro, lemos: «Tornou Adám a coabitar com sua mulher, e ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Sete». Se o plano de Deus ia continuar, o lugar de Abel não poderia permanecer vago. Portanto, Deus deu a Adám e Eva outro filho, a quem sua mãe chamou significativamente «Sete», ou seja, «concedido»: «Porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou».
A diferença importante entre os nomes dos irmãos, Caim e Sete, fica completamente perdida na tradução e, no entanto, é extremamente significativa em Hebraico. O nome Caim no Hebraico (קַיִן; kayín) carrega o significado de algo sendo «adquirido». Esse nome expressa a ação de Eva: foi ela quem «adquiriu». Provavelmente, esperando o cumprimento da promessa de Gênesis 3 (e talvez também se sentindo culpada e tentando compensar seu erro), ela sentiu e pensou que tinha que fazer algo; como Sara em Gênesis 16, ela pensou, era sua tarefa e sua responsabilidade remediar a situação. É por isso que Eva chamou Caim por este nome: ela pensou que ela o «adquiriu» da parte do SENHOR (Gênesis 4:1).
Por outro lado, o nome Sete expressa uma visão de mundo completamente diferente. Em Hebraico, (שֵׁת; shet) significa algo como «fornecido»; o verbo Hebraico לָשִית significa «designar» ou «fornecer». Prestem muita atenção: neste caso, designa a ação de Deus, não a dela. Acredito que essa diferença seja extremamente significativa: novamente, como Sara mais tarde, Eva sabe a essa altura que não são seus esforços, mas apenas a graça de Deus, que pode ajudá-los. Por isso ela o chamou de Sete: «Porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou».
Ao passarmos deste registro dos Caimitas no Capítulo 4 para aquele de Sete e seus descendentes (no final do Capítulo 4 – Capítulo 5), a diferença se torna notável. Até o nome que Sete dá a seu filho —Enos, ou humano (frágil)— se destaca como um testemunho contra o arrogante desafio dos Caimitas: «E a Sete, por sua vez, nasceu um filho, e o chamou Enos». Mas essa diferença vital entre as duas raças aparece explicitamente nas últimas palavras do último versículo deste capítulo: «Então os homens começaram a invocar o nome do Senhor».
Da próxima vez, passaremos para o Capítulo 5, a fim de ver o plano de Deus se desenrolando através dos descendentes de Sete. Porém, antes de encerrarmos o Capítulo 4, gostaria de destacar outro detalhe interessante: enquanto no Capítulo 5, onde é apresentada a linhagem dos Setitas, são fornecidos os anos de vida de todo patriarca, e nos é dito constantemente quantos anos cada um viveu antes e depois do nascimento de seu filho, esse detalhe está completamente ausente na história dos Caimitas, onde simplesmente os nomes são mencionados, mas não há números. A razão é muito simples: a linhagem ímpia dos Caimitas realmente não tinha futuro e, portanto, os anos de suas vidas não interessam às Escrituras. A partir de agora, a atenção de Deus —e a nossa também— estará nos descendentes de Sete.
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