Perdido Na Tradução: Léj – Lejá

Léj Lejá é uma das porções mais incríveis de toda a Torá e é definitivamente uma das minhas favoritas. Pode-se falar interminavelmente sobre esses capítulos, na verdade, escrevi um livro inteiro sobre eles[1], mas como os comentários deste ano sobre Parashót Shavúa foram intitulados «Perdido na Tradução», é o que faremos aqui. Quero mostrar quantos detalhes adicionais podemos reunir em Hebraico, mesmo no capítulo que vocês provavelmente leram muitas vezes. O famoso Capítulo 12 do livro do Gênesis, onde começa a história de Abraão, inicia com as famosas palavras de Deus a Abraão: «Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei»Gerações de rabinos, pregadores e estudantes regulares das Escrituras ficaram impressionados, encorajados e inspirados por essas palavras. Vocês sabem, entretanto, qual é o significado literal dessas palavras em Hebraico?

Em Hebraico, Deus diz a Abraão, Léj Lejá, que geralmente é traduzido como «saia», mas este não é o significado exato dessas palavras. Léj significa «Vai», então bastaria dizer Léj para enviar Abraão para sua missão. Por que então Deus está dizendo Léj Lejá? O que significa este Lejá? Esta é a pergunta que nossos sábios fazem: Por que, em vez de apenas dizer, Léj – «Vá» Deus teve que dizer Léj Lejá?

Eles encontraram várias respostas para esta pergunta, mas há uma em particular que eu mais amo. Léj Lejá significa «para você», portanto, Léj Lejá pode ser lido como «vá para você mesmo». É o que Deus diz a cada um de nós através destas palavras: Léj Lejá, vá para você, vá para dentro de você! Mesmo aqueles que não são chamados a deixar suas casas ou terras, Deus envia para esta jornada interior de fé: vá para si mesmo, em direção à essência de sua alma, em direção ao seu propósito final, para aquela preciosa terra interior que você ainda não conhece, mas Eu conheço e vou levar você até lá!

A benção e a maldição

Deus promete a Abraão que Ele «abençoará aqueles que o abençoarem» e amaldiçoará aqueles que o amaldiçoarem. De fato, é uma promessa famosa, mas ela diz mais em Hebraico do que na tradução?

A palavra Hebraica para «bênção» (brajá; ברכה)  tem uma etimologia interessante. A explicação tradicional deriva da raiz (rej; ברך), «joelho»: é preciso ajoelhar para receber uma bênção; é preciso humildade para ser abençoado. É preciso reconhecer e admitir que não se é autossuficiente, que se precisa da ajuda de Deus, que se precisa da sua bênção.

Vemos isso muitas vezes na Bíblia, esta ascensão da humildade (e às vezes até humilhação) à bênção: por exemplo, José foi humilhado: primeiro por seus irmãos, depois pela esposa de seu senhor, ele ficou então na prisão por um longo tempo, mas depois de tudo isso, Deus o abençoou de uma forma maravilhosa, quase incrível. Imagino que José tenha se ajoelhado mais de uma vez durante esses longos anos de humilhação. E embora entendamos que não é a postura do corpo, mas a atitude do coração que conta, essa conexão entre «ajoelhar» e «abençoar» é extremamente profunda na palavra Hebraica.

O forte significado da parte negativa também se perde na tradução. A primeira palavra para «maldição» (מְקַלֶּלְךָ; mekaleljá) significa «tornar leve algo pesado». A segunda palavra para «maldição» (אָאֹר; aór) vem de uma raiz completamente diferente que significa algo como «destruir». Portanto, poderíamos traduzir a promessa de Deus desta forma: «Abençoarei aqueles que vos servirão humildemente e destruirei aqueles que vos considerarem levianamente».

Uma jornada geográfica ou espiritual?

A próxima coisa que acontece em Gênesis 12 é Abraão indo para o Egito. O que significava para ele ir para o Egito naquela época? Qual é a mensagem deste nome em Hebraico e o que significaria para uma audiência Hebraica?

O Egito era chamado de Musuru, Misir ou Masri em várias línguas e Mizráim pode ser simplesmente uma transliteração para o Hebraico de qualquer um desses nomes. No entanto, vamos tentar entender como um público Hebreu pode ter interpretado o nome Mizráim. A palavra (מצרים; Mizráim) parece uma forma dual da raiz Hebraica (מצר; metzár). O que essa raiz significa?

A palavra (מצר; metzár) significa «problema»: angústia, dor, estreiteza. Em uma forma dupla, formaria a palavra (מצרים; Mizráim), e, portanto, significaria «angústia dupla» ou «problema duplo». Por exemplo, em Lamentações 1:3 , a própria palavra (מצרים; Mizráim) ocorre com o significado de «angústia[s]»  e sem nenhuma conexão com o Egito. Portanto, isso é provavelmente o que a palavra Mizráim significaria para uma audiência Hebraica:[2] Para os Israelitas, descer ao Egito significaria angústia e tribulação. E, no entanto, é para o Egito que Abrão desce em Gênesis 12! Porquê?
As Escrituras não retratam Abrão como um herói de fé perfeito, como um super-homem espiritual. Logo após o incrível ato de obediência sem reservas e completa, logo ao chegar à terra, Abrão desce ao Egito para escapar da fome. Em primeiro lugar eu nem tenho certeza se esta pequena viagem foi aprovada pelo Senhor, mas as Escrituras não dizem nada sobre isso. Ainda assim, enquanto está no Egito, temendo por sua vida, ele faz algo que é muito difícil para nós justificarmos ou entendermos: ele se faz sua esposa passar por sua irmã. «Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor de ti e, por tua causa, me conservem a vida».[3]

Que história estranha!, mas esta é a beleza da Bíblia, que nunca tenta embelezar as pessoas que ela descreve. Abrão deveria ter ido para o Egito? Foi a vontade de Deus que ele descesse para o Egito? Provavelmente, a vontade perfeita de Deus era confiar Nele. No entanto, esta descida ao Egito e mentir sobre sua esposa expôs a falta de confiança de Abrão, que precisava ser resolvida. Talvez ele nunca tivesse alcançado o auge da obediência e confiança no Senhor que alcançou, se não tivesse passado por essa dolorosa experiência Egípcia.

E agora a parte «perdida na tradução». Surpreendentemente, encontramos esta jornada espiritual refletida nos nomes Hebraicos. Logo após a experiência Egípcia de Abrão, nós o encontramos vagando «entre Bét-Él y Ái».[4]  Em Português, esses nomes não significam nada, mas em Hebraico, eles podem ser lidos como marcos espirituais muito profundos: Abraão estava entre Bét-Él – a «Casa de Deus…[5] e Ái – «Pilha de Ruínas».[6]  Não vemos essa jornada espiritual no texto em Português, mas ela se reflete claramente nesses nomes em Hebraico. E se reconhecermos esses marcos e essa jornada, a fé e a obediência de Abraão se tornam ainda mais preciosas depois dessa história. Agora sabemos —sem sombra de dúvida— que ele não é um super-homem; que ele tem suas próprias fraquezas e medos; que por natureza ele não é nem muito corajoso nem muito bravo; que às vezes ele provavelmente se sentia como um «pilha de ruínas». No entanto, ele escolheu a «Casa de Deus», ele escolheu seu amor por Deus e escolheu viver pela fé. E por causa desta fé, ele se tornou uma pessoa incrível e fez coisas incríveis para o Senhor, nunca usando suas emoções ou medos como desculpa.

 

 

 

[1] «Abraham had Two Sons».

[2] Ver o Dicionário Jones dos nomes próprios do Antigo Testamento.

[3] Gênesis 12:13.

[4] Gênesis 13:3.

[5] Bét-Él = «casa de Deus».

[6] Ái o Hái = «Pilha de Ruínas».

 

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About the author

Julia BlumJulia is a teacher and an author of several books on biblical topics. She teaches two biblical courses at the Israel Institute of Biblical Studies, “Discovering the Hebrew Bible” and “Jewish Background of the New Testament”, and writes Hebrew insights for these courses.

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